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Doenças raras

Artigo: Dificuldade no diagnóstico da DOT

Estar munido de informação é essencial para evitar diagnósticos errados da doença ocular da tireoide concomitantemente com a disfunção tireoidiana e impedir consequências graves

Exame oftalmológico  -  (crédito: LUCY NICHOLSON)
Exame oftalmológico - (crédito: LUCY NICHOLSON)
Allan C. Pieroni Gonçalves, oftalmologista e professor da Faculdade de Medicina da USP - Opinião
postado em 26/10/2023 06:00

A jornada médica é um aprendizado diário. Um caminho cheio de desafios e inovações que nos move rumo ao diagnóstico certeiro com o objetivo de salvar vidas e promover bem-estar às pessoas. Para isso, a atualização constante se faz necessária para a identificação precoce de qualquer e toda condição, com intuito de que seja estabelecido um cuidado adequado para a doença, controlando, assim, os sintomas e o avanço do quadro. Mas, infelizmente, é comum nos depararmos com casos em que a confirmação do diagnóstico levou anos ou até mesmo situações em que a conclusão médica estava incorreta, principalmente quando se trata de uma doença pouco comum.

O cenário pode ser ainda mais desafiador quando a doença apresenta variados sinais e sintomas e até compromete órgãos diferentes, necessitando de tratamentos distintos e independentes. Esse é o caso da orbitopatia distireoidiana ou doença ocular relacionada à tireoide (DOT). Trata-se de uma doença rara das órbitas na qual o organismo começa a atacar as próprias células ao redor dos olhos, causando inflamação, crescimento de gordura e inchaço dos músculos extraoculares. Os principais sintomas são dor, vermelhidão, sensibilidade à luz, exoftalmo (olhos saltados) e diplopia (visão dupla), e, dependendo da gravidade, podem levar à cegueira.

Como o próprio nome diz, é uma doença ocular que está associada a uma doença da tireoide, pois têm uma origem autoimune em comum — isto é, o organismo geralmente ataca a tireoide e os olhos simultaneamente. Comumente o quadro clínico é de hipertireoidismo (doença de Graves), porém pacientes com hipotireoidismo e até sem disfunção tireoidiana podem ter a DOT. Essas diferentes combinações dificultam o diagnóstico precoce e a busca pela ajuda necessária.

Outro fator de confusão é acreditar que o tratamento de um órgão vai necessariamente curar o outro, o que não ocorre. Apesar de ter uma fonte autoimune em comum, as afecções dos olhos e da tireoide têm cursos de certa forma independentes e, assim, necessitam de tratamentos específicos para os diferentes sinais e sintomas.

É importante essas características da doença também serem de conhecimento por parte da classe médica, a fim de orientar e encaminhar os pacientes para o cuidado adequado. Com esse propósito, destaco algumas porcentagens referentes a DOT: 20% das pessoas podem apresentar sintomas oculares antes de apresentarem disfunções tireoidianas detectáveis; 40% dos pacientes diagnosticam a doença ocular da tireoide concomitantemente com a disfunção tireoidiana, e os outros 40% apresentam a DOT depois do diagnóstico da disfunção tireoidiana. Com isso, é possível perceber que, embora as doenças estejam relacionadas, elas têm diferentes atuações, o que não permite que sejam administradas da mesma forma.

As mulheres são as mais afetadas pela doença, ainda que a forma mais grave da DOT aconteça com mais frequência em homens idosos e em tabagistas. O diagnóstico é feito por meio de um exame detalhado com médico oftalmologista especialista em cirurgia plástica ocular, sendo possível complementar a investigação com a realização de exames de sangue da função tireoidiana e de imagem (tomografia computadorizada ou ressonância magnética). Com isso, o tratamento dependerá do estágio e dos tipos de sinais e sintomas que cada indivíduo apresenta.

Estar munido de informação é essencial para evitar diagnósticos errados e, mais do que isso, impedir consequências graves. A DOT pode comprometer tanto a estética como a funcionalidade dos olhos, provocando significativo impacto psicossocial — em média, 42% das pessoas com doença ocular da tireoide têm ansiedade e/ou depressão. Portanto, o tratamento adequado, precoce e multidisciplinar dessa condição é fundamental para garantir o bem-estar dos indivíduos, trazendo mais estabilidade dos sintomas e, claramente, reduzindo os efeitos emocionais e psicológicos.

Ser médico vai muito além de conquistar o diploma, é estudar constantemente para se atualizar e buscar informações que destaquem as doenças, principalmente as raras, de forma segura sobre quais são seus sinais e sintomas e sobre como devem ser cuidadas. É apenas com a conscientização que conseguiremos levar mais qualidade de vida a todos os pacientes — em especial, àqueles que são minoria em meio a tantas doenças existentes nesse mundo.

 


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