Mais de 40 milhões de argentinos vão às urnas neste domingo, em meio a uma das mais graves crises econômicas enfrentadas pelo país. A inflação nos 12 meses terminados em setembro atingiu 138,3% e 40% da população estão na pobreza. Diante da possibilidade de o candidato de ultradireita Javier Milei vencer as eleições presidenciais, a atividade produtiva praticamente parou, pois, com a onda de incertezas, os agentes econômicos ficaram sem parâmetro para a formação dos preços de seus produtos. Nas últimas duas semanas, o dólar no mercado paralelo saltou de menos de 700 pesos para mais de 1.000 pesos, numa corrida da população por proteção. Além de Milei, estão bem posicionados nas pesquisas o peronista e atual ministro da Fazenda, Sérgio Massa, e Patrícia Bullrich, de direita, representante do Juntos pela Mudança.
A Argentina tem enfrentado crises severas em mais de duas décadas e as consequências dos desastres econômicos e políticos têm pesado muito nesta eleição. Em vez do bom senso, tem prevalecido a raiva e a revolta. Não serão esses sentimentos, porém, que resolverão todos os problemas que afligem os cidadãos. Optar pelo radicalismo, seja de que lado for, pode agravar o quadro já muito preocupante. O candidato de extrema-direita à Presidência da República, que se autointitula um anarcocapitalista, defende a dolarização da economia, o fechamento do Banco Central, a saída dos argentinos do Mercosul e o rompimento dos laços com a China.
Para que a dolarização da economia da Argentina fosse viável, seriam necessários, ao menos, US$ 60 bilhões, o que está longe de acontecer. O fechamento do BC e o desligamento do Mercosul dependem de apoio no Congresso. Tais limitações reforçam que o discurso radical que tem encantado, sobretudo, os jovens argentinos não passa de arroubos inconsistentes, que, se levados adiante, num movimento autoritário, só empurrariam o país para o precipício. É verdade que a desesperança, quando se olha o futuro e não se vê perspectivas, tende a falar alto. Mas os argentinos, em sua maioria, sabem da importância de se reconstruir a nação em bases sólidas, não por meio de promessas vazias e inconsequentes.
O Brasil tem enorme interesse que a Argentina escolha o caminho sem rupturas. Os dois países têm relações de mais de 200 anos, com momentos de rivalidade e de união. Foram adversários em guerras como a da Prata, aliados na Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai), medem o tamanho da influência na América do Sul e são sócios no Mercosul. Do ponto de vista comercial, a Argentina é o terceiro mercado para os produtos brasileiros e o Brasil, o primeiro para as exportações argentinas. As transações entre as duas nações envolvem produtos industrializados, com média e alta tecnologia. A complementariedade das suas indústrias é enorme.
Mesmo com toda a crise enfrentada pela Argentina, a corrente de comércio com o Brasil somou US$ 13,6 bilhões no acumulado de janeiro a setembro deste ano. O saldo comercial, em favor dos brasileiros, atingiu US$ 4,5 bilhões, o dobro do observado em todo o ano de 2022 (US$ 2,2 bilhões). O comércio bilateral vem se recuperando depois de acumular queda de 60% entre 2011 e 2020, por causa dos problemas econômicos do país vizinho e da diminuição da ênfase do Brasil na integração regional. Não há como se falar em neoindustrialização sem que os dois países caminhem juntos e avancem no fortalecimento da América do Sul.
Portanto, que os argentinos façam uma boa escolha, que seja um espelho para a consolidação da democracia latino-americana. A região, em vários momentos, se rendeu ao autoritarismo e a experiências esdrúxulas de governo. O mundo vive um contexto muito complexo, em que o descompromisso com a liberdade de escolha e o desrespeito aos direitos humanos e aos avanços sociais e institucionais estão sendo normalizados. A Argentina deve dizer não aos retrocessos.
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