Cristovam Buarque - Professor emérito da Universidade de Brasília (UnB)
O mundo assistiu estarrecido, sem surpresa e com espanto, sua decisão de concluir a construção do muro que seu antecessor começou na fronteira entre os Estados Unidos e os demais países americanos.
Estarrecido, porque sua biografia e sua eleição permitiam esperança de uma política mais humanista em relação à população que busca sobrevivência no desespero para sair da pobreza.
Sem surpresa, porque mesmo que faça sentido a hipótese de que a riqueza no chamado Norte Global decorre do escravismo, do colonialismo e do imperialismo, sabe-se que na Europa e na América do Norte não cabem todos os pobres do mundo. Também que essa riqueza vem de prioridade à educação de base, respeito às liberdades, promoção do desenvolvimento científico e tecnológico, da responsabilidade fiscal. Ainda mais, que a pobreza no Sul Global decorre sobretudo da exploração interna dos ricos sobre os pobres, da negação de educação, da irresponsabilidade fiscal, da corrupção e da insensibilidade dos que aceitam viver na riqueza ao lado da pobreza. No Brasil, construímos nossos mediterrâneos e muros cercando as casas, escolas, hospitais e supermercados para que os pobres não tomem o espaço social que os ricos consideram direito.
A lei da gravidade social atrai os pobres para a riqueza, e a lei da gravidade eleitoral obriga o senhor a tomar medidas que estarrecem, mas não surpreendem. Seus eleitores, tanto quanto os europeus, votam pedindo proteção aos privilégios que o tempo transformou em direitos. O holocausto foi contra um povo integrado na Europa, parte da riqueza, por isso, foi cometido às escondidas dos alemães. Os atuais imigrantes são estrangeiros pedindo para participar da riqueza. Os eleitores apoiarão a construção de muros, barreiras e trincheiras que matam por afogamento, por bala ou por fome. Nos últimos dez anos, mais de 50 mil pessoas foram asfixiadas e submersas no Mediterrâneo, ou morreram a caminho da fronteira norte-americana. Mas a fila ainda tem dezenas de milhões. Os muros não conseguirão barrar o que é considerado invasão, apesar de feita por seres humanos pobres, desarmados, famintos. Sua manutenção tem custo, sobretudo moral.
Cada afogado ou barrado reduz um imigrante, mas asfixia moralmente os protegidos por mediterrâneos e muros. A foto do corpo do menino sírio Alan Kurdi asfixiou moralmente milhões de europeus, norte-americanos e ricos de todo o mundo, embora por pouco tempo. O papa Francisco disse recentemente que o Mar Mediterrâneo deve mudar o nome para "Mar da Morte". Mas ele não disputa eleições. Daí vem o espanto com as lideranças mundiais por não tentarem uma solução humanista aceita por seus eleitores: inverter a lógica e, no lugar de barrar a imigração, fazer desnecessária a emigração. A maneira estrutural seria um Plano Mundial de Desenvolvimento Justo e Sustentável. Mas o momento exige urgência e pragmatismo. Uma ideia, senhor Presidente, seria garantir uma renda mensal para que o emigrante por causa da pobreza aceite ficar em seu país com sua família, no lugar da aventura desesperada em busca de atravessar desertos, selvas, muros, mediterrâneos e barreiras militares, que os rechaçam ou os deixam na miséria e na violência das periferias de cidades ricas. O custo de um programa desse tipo poderia ser financiado com a colaboração dos países receptores de imigrantes, e também dos países expulsores. O valor da bolsa indo diretamente ao beneficiário elimina o risco de corrupção, o pagamento direto se autofiscaliza ao obrigar a presença dele para receber a renda. O custo de fazer não é tão elevado, e o custo de não fazer será abandonar os valores humanistas.
Senhor Presidente, embora a tendência seja a redução no número de líderes nacionais eleitos que considerem os imigrantes como seres humanos semelhantes carentes de solidariedade, ainda há alguns capazes de aceitar participar desta "solução humanista", em vez da "solução final" no Mar da Morte ou nos Muros da Vergonha. O papa Francisco, o presidente Lula, o ex-presidente da África, Thabo Mbeki, atual Chairman do South Centre; António Guterres, da ONU, são alguns líderes mundiais com sensibilidade diante desta tragédia. O senhor está na posição e no momento para liderar a criação de um Fundo Internacional suficiente para financiar um Programa Bolsa Família Internacional que enfrente o problema da migração em massa, fazendo desnecessária a emigração, no lugar da indecente e insustentável guerra para barrar a imigração.
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