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Educação

Tecnologia na escola: para funcionar, tem que formar

Relatório da Unesco destaca que é improvável que a educação seja igualmnte relevante sem as tecnologias digitais

O Canal Ciência é uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia  -  (crédito: Canal Ciência/Divulgação)
O Canal Ciência é uma iniciativa do Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia - (crédito: Canal Ciência/Divulgação)
postado em 03/10/2023 06:00

ERNESTO MARTINS FARIA, diretor-fundador do Interdisciplinaridade e Evidências no Debate Educacional (Iede) e  LECTICIA MAGGI Maggi, gerente de Comunicação no Iede

“A tecnologia será capaz de ajudar a resolver os desafios mais importantes da educação?” Esse é um dos questionamentos presentes no Relatório Global de Monitoramento da Educação 2023 da Unesco, divulgado no final de julho, e que provocou um acalorado debate. O documento, intitulado A tecnologia na educação, uma ferramenta a serviço de quem?, traz uma série de provocações e ponderações sobre a utilização de tecnologias digitais nas escolas.

Muitos veículos de comunicação do país, incluindo alguns de grande alcance nacional, optaram por uma abordagem mais negativa da temática, citando os “efeitos nefastos” da tecnologia e ressaltando que, segundo a Unesco, seria uma “falsa boa ideia” e que é preciso banir os celulares das salas de aula. De fato, há muitos alertas no relatório: entre vários outros tópicos, são mencionados o acesso desigual à internet e as tecnologias pelo mundo, com a exclusão de milhões de estudantes do processo; a falta de preparo de muitos professores para a utilização de recursos digitais em suas aulas; a disseminação de conteúdos online sem regulamentação e controle de qualidade adequados; os riscos de uma exposição excessiva das crianças às telas; o alto custo da tecnologia para o orçamento dos países e até para o planeta; e a escassez de evidências imparciais sobre os impactos da tecnologia educacional, com os poucos estudos sendo feitos em países ricos e, ou, por empresas que vendem dispositivos tecnológicos.

No entanto, o relatório também traz pontos positivos e destaca que “é improvável que a educação seja igualmente relevante sem as tecnologias digitais (...) e que uma definição ampliada do direito à educação poderia incluir o apoio efetivo da tecnologia para que todos os estudantes alcancem seu potencial, independentemente de contexto ou circunstâncias.” Para nós, essa é a principal discussão que precisa ser feita: não sobre retroceder ou “fugir” da tecnologia, afinal essa já é a realidade e ignorá-la é colaborar com a desigualdade, mas, sim, sobre como qualificar o seu uso para que produza os resultados almejados na educação e contribua para a equidade.

Para isso, é preciso voltarmos à pergunta do título: quais são os grandes desafios que temos em educação? Como as tecnologias podem nos ajudar a solucioná-los? Nesse sentido, concordamos com um dos trechos do relatório, que destaca que “discussões sobre tecnologia educacional focam na tecnologia ao invés de focarem na educação.” Recentemente, desenvolvemos diversos projetos na área de tecnologia, que nos demandaram realizar pesquisas a campo. Em alguns municípios visitados, percebemos um foco maior na aquisição de ferramentas tecnológicas e menor na razão pela qual aquilo estava sendo feito. Isto é, não havia um projeto pedagógico que embasasse aquela escolha. Encontramos redes que se orgulhavam de terem adquirido tablets para estudantes muito novos (até da Educação Infantil), mas desconheciam os efeitos práticos dos novos recursos — se as aulas haviam melhorado, se os professores percebiam ganhos, se os alunos estavam mais engajados, aprendendo mais etc., ou se, pelo contrário, o novo recurso havia trazido mais distrações do que soluções.

Para que a tecnologia tenha efeito, diversos aspectos precisam ser considerados. Em parceria com a MegaEdu e o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) estamos elaborando um guia para avaliação de impacto da conectividade nas escolas brasileiras. Nele, elencamos três grandes dimensões em que a conectividade pode impactar: ambiente, com oportunidades para melhora das habilidades digitais dos alunos e comunidade; recursos, com maior acesso a recursos educacionais pelo sistema educacional; e ganhos pedagógicos, com a melhoria das estratégias pedagógicas. Porém, para que isso ocorra, há algumas premissas inegociáveis: além de um bom nível de internet, programas que viabilizem o uso escolar da tecnologia, com formação de professores e investimento em equipamentos e manutenção.

Nesse sentido, uma pesquisa nacional que fizemos em parceria com o Centro de Inovação para Educação Brasileira (Cieb), a Fundação Telefônica Vivo e a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), trouxe resultados preocupantes: 39% das redes municipais de ensino disseram que não oferecem formações sobre tecnologias digitais aos seus docentes. Nas redes que atendem a estudantes mais pobres (de baixo nível socioeconômico - nse), esse índice sobe para 49%. O foco do estudo, que contou com uma amostra representativa de 1.065 redes de ensino, foi entender quais são as estruturas de apoio para garantir a implementação e o uso de tecnologias digitais nas escolas e como o ensino de Tecnologia e Computação está presente no currículo das redes municipais. Formação é um dos pontos-chave para um uso qualificado de tecnologias nas salas de aula, e, apesar de muitas secretarias não oferecerem, elas reconhecem sua importância. Quando solicitadas a elencar prioridades para o próximo ano, “formações em tecnologia e computação para os professores da rede” aparece em primeiro lugar, citada por 78% das redes.

A tecnologia pela tecnologia definitivamente não irá resolver os problemas da educação. Bani-la também não. Afinal, não é só na escola que a tecnologia já está presente. Precisamos preparar nossas crianças e jovens para usar tecnologia também no mercado de trabalho, onde sua utilização não é uma condição negociável. A discussão não é somente sobre o uso de tecnologia para ajudar em outras aprendizagens, mas também sobre os aprendizados necessários em tecnologia. O melhor caminho parece ser, sem dúvidas, também o mais desafiador: como propõe a Unesco, os governos garantirem “as condições certas para permitir o acesso igualitário à educação para todos, regulamentar o uso da tecnologia de modo a proteger os estudantes de suas influências negativas e preparar os professores.”

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