AUGUSTO MATHIAS, ex-coordenador de relações raciais e consultor de Gerenciamento de Diversidade e Engajamento Comunitário em Toronto (Canadá)
Sendo uma das maiores causas do racismo, o privilégio branco é fator silencioso que condiciona os negros às piores condições de vida e os brancos acessos às vantagens sociais. Por mais dura que seja essa realidade, deve ser enfrentada por todos para viabilizar a construção de um mundo mais justo e igualitário. Enquanto os brancos estão habituados a diversos privilégios como acesso facilitado à segurança alimentar, a cuidados de saúde de qualidade, à educação de qualidad, etc. Não se diz que essas benesses são imerecidas, frutos da sorte, da exploração, etc. Em vez disso, o privilégio branco passa como vantagem embutida, separada do nível de renda ou esforço, como pessoas negras na mesma situação. Por exemplo, se os líderes empresariais brancos não contratarem pessoas negras, os brancos terão mais oportunidades econômicas. Ter a capacidade de manter essa dinâmica de poder, por si só, é um privilégio branco, e ainda perdura.
Órgãos legislativos, lideranças corporativas e educadores ainda são majoritariamente brancos e, frequentemente, fazem escolhas conscientes em leis, práticas de contratação, e procedimentos disciplinares que mantêm esse ciclo se repetindo, fazendo com que o privilégio branco seja desfrutado inconscientemente e perpetuado em coisas simples, como se mover pelo mundo sem receio de ser discriminado ou julgado em relação ao que vai fazer, o quanto pode gastar etc. Mas, assim como os negros, não fizeram nada para merecer esse tratamento desigual, os brancos não “ganharam” acesso desproporcional à compaixão e à justiça. Eles o recebem como subproduto do racismo e da discriminação sistêmica, mesmo que não tenham consciência disso.
Essa espécie de ouroboros — conceito, e imagem que simboliza o círculo da evolução voltada para si mesmo — permite a constante recriação da desigualdade social que contribui para o “benefício da dúvida” se o negro tem a mesma capacidade de pagar suas dívidas, de comprar determinados produtos ou contratar serviços. Conforme definição de Matthew Clair e Jeffrey S. Denis o privilégio branco é um conjunto de processos e estruturas individuais e grupais que estão implicados na reprodução da desigualdade racial. O racismo sistêmico acontece quando essas estruturas ou processos são executados por grupos com poder, como governos, empresas ou escolas, e difere do preconceito contra um indivíduo ou grupo com base em sua identidade.
O preconceito racial é uma crença, enquanto o racismo é o que acontece, quando essa crença se traduz em ação. Por exemplo, uma pessoa pode acreditar que negros são mais propensos a cometer crimes, o que decorre de um preconceito e pode se tornar racismo por meio de ações, como: atravessar a rua para evitar negros; atirar em um negro desarmado porque “teme por sua vida”; culpar uma pessoa negra de um crime violento, apesar das poucas evidências.
Tanto o racismo quanto o preconceito dependem do que os sociólogos chamam de racialização, que é o agrupamento com base nas diferenças físicas, como o tom de pele. Esse agrupamento historicamente alimentou preconceitos e se tornou uma justificativa para a discriminação de pessoas, especialmente as negras, no fundamento de que aquela “raça” era diferente e deveria ser tratada como tal. Claro que nem todos os brancos participaram diretamente disso, mas seus preconceitos e vantagens diante de tal situação levaram muitos a ficar em silêncio. E esse silêncio ajuda a perpetuar esse estado de coisas. Mas o que pode ser feito quando uma pessoa banca reconhece o próprio privilégio? Usá-lo de uma forma que seja benéfica para todos.
Quando diante de negros a falar sobre experiências de opressão, não domine a conversa, nem duvide desses sentimentos. Amplifique essas vozes, compartilhe as perspectivas de pessoas negras. Não deve esperar pessoas negras falarem contra o racismo ou conscientizarem sobre o assunto, deve sim procurar se informar sobre o assunto escritos por negros e negras e avaliar criticamente material sobre escravidão, raça, sistema prisional etc.
Brancos antirracistas devem procurar conscientizar amigos e familiares compartilhando o aprendizado, superando o desconforto e propondo conversas corajosas em seus círculos. Nada de deixar colegas saírem confortáveis com comentários preconceituosos sem fazer um esforço para envolvê-los em uma reflexão. Em vez disso, intervenha, denuncie e engaje-se em ações antirracistas e inclusivas em seus círculos sociais, em prol da igualdade social e de uma sociedade melhor.
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