Mobilidade

Artigo: A cidade distante de si mesma

Quem é usuário do sistema de transporte público do Distrito Federal, como este jornalista que aqui escreve, sabe a dor que é se locomover sem ter o conforto de um veículo próprio.

Em março de 2022, participei da produção de um caderno especial de aniversário de Ceilândia, que então completava 51 anos. O trabalho era entrevistar pioneiros, artistas, moradores conhecidos pela comunidade e outras personalidades para falar da importância da cidade em suas vidas. Uma pergunta que sempre fazia aos personagens era o que eles desejavam para o futuro de Ceilândia.

A resposta que mais me chamou a atenção foi dada pelo Gu da Cei, artista que tem a cidade como uma das principais referências para o seu trabalho. "Que Ceilândia seja cada vez mais um lugar de encontro entre os diferentes", disse. Gu sabe do que está falando. Uma das principais frentes da sua atuação artística é o direito ao acesso à cidade, assunto que engloba, principalmente, o transporte público.

Quem é usuário do sistema de transporte público do Distrito Federal, como este jornalista que aqui escreve, sabe a dor que é se locomover sem ter o conforto de um veículo próprio. O serviço é caro e deixa a desejar. Longas esperas nos pontos, que não oferecem conforto aos passageiros; ônibus no prego com frequência, viagens longas e horários limitados fazem com que o brasiliense viva menos as oportunidades que a cidade onde vive oferece.

Assim, fica mais fácil imaginar o porquê de Brasília ser essa cidade que não promove o encontro entre diferentes tribos e extratos sociais. No meu caso, em particular, que moro na Asa Norte, eu poderia passar uma vida inteira sem nunca sequer pôr os pés em Ceilândia, por exemplo, experiência a qual tenho acesso graças ao meu ofício de repórter. E não há incentivos para que o brasiliense saia da sua bolha, sobretudo para aqueles desprovidos de carro.

O Poder Público, por outro lado, ainda tem dificuldades em concentrar esforços para resolver o problema. Vias são inauguradas ou alargadas e viadutos e túneis mudam a paisagem da capital da República. Tudo pensando nos carros.

Garantir transporte público de qualidade não é um luxo, faz parte do direito de ir e vir, um dos pilares da nossa democracia. Na reportagem especial sobre mobilidade no DF, assinada pelas jornalistas Mila Ferreira e Adriana Bernardes e publicada em 23 de setembro, especialistas alertam para o colapso do trânsito de Brasília, caso não mudemos o curso do projeto de desenvolvimento da capital federal.

Na matéria, o urbanista Pedro Grilo dá a letra: "Alargar vias para resolver o trânsito é o mesmo que comprar calças largas para enfrentar a obesidade. Não funciona", disparou. Como solução, o urbanista sugere um foco nas coisas certas, na ordem certa: pessoas com deficiências, pedestres, ciclistas, transporte público, e, por último, o carro. Devo dizer que é difícil, sobretudo porque Brasília não é como é por obra do acaso. A segregação sempre foi e ainda é um projeto pensado por aqueles que governam a cidade.

O meu desejo para a cidade onde escolhi viver, a exemplo de Gu da Cei, é que Brasília seja o local dos encontros inusitados, dos diálogos transformadores e do acolhimento. Brasília só foi possível por causa da diversidade de gente corajosa que embarcou no sonho de JK.

 


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