Saúde

Setembro Amarelo: é urgente olharmos para saúde mental

O Brasil está no topo do ranking quando o assunto é adoecimento mental. O país é o terceiro com maior prevalência de depressão na América Latina e também o mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS)

DAYSE AMARILIO, enfermeira obstetra, professora e deputada distrital (PSB-DF)

Após a pandemia da covid-19, a necessidade de cuidarmos da saúde mental de forma integral ficou cada vez mais evidente. Hoje a pauta é discutida em todo o mundo, o que torna cada vez mais compreensível a necessidade de gestores públicos e tomadores de decisão reforçarem o compromisso para que uma verdadeira mudança de paradigma em relação as tratativas sobre as questões pertinentes a saúde emocional da população mundial aconteça.

Trazendo a questão para nossa realidade, constatamos que é preciso uma ação efetiva, continuada e que priorize a temática, visto que os números relacionados à saúde mental de nossa população são alarmantes. O Brasil está no topo do ranking quando o assunto é adoecimento mental. O país é o terceiro com maior prevalência de depressão na América Latina e também o mais ansioso do mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). E esse quadro se dá em razão de diversos fatores, entre eles: a desigualdade de acesso aos serviços básicos, ao luto recente em decorrência da pandemia e a sequelas da chamada covid-19 longa.

Como profissional de saúde, conheço essa realidade de perto e sei da necessidade urgente de gestores públicos retomarem os princípios da reforma psiquiátrica — Lei nº 10.216 —, e a valorização da lógica da política antimanicomial. Além disso, é preciso investimento na Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), abertura de mais unidades de Centros de Atenção Psicossocial (CAPs) e suas modalidades, a ampliação do número de Serviços Residenciais Terapêuticos (SRTs) e o aumento do número de leitos em hospitais para tratamento de crises agudas que necessitam de internação por um período curto.

O que me alegra, como cidadã e como parlamentar, é saber que o Ministério da Saúde acena para a atenção e o investimento nas questões relativas à saúde mental. No início do último mês de julho, a ministra Nísia Trindade assinou duas portarias. Os documentos instituíram a recomposição financeira para os SRTs e para os CAPs, totalizando mais de R$ 200 milhões para o orçamento da RAPS no restante de 2023. Ao todo, o recurso destinado pela pasta aos estados será de R$ 414 milhões no período de um ano.

Sabemos que é preciso investir e investir de forma continuada para mudar o cenário que enfrentamos hoje quando o assunto é saúde mental. A carência de recursos e a falta de prioridade em relação a temática acaba por aumentar o sofrimento de inúmeras pessoas que tanto precisam de atendimento terapêutico, inclusive crianças e adolescentes.

No Distrito Federal, por exemplo, falta uma rede de saúde mental estruturada, com acesso rápido e transversalidade. Segundo dados da “Análise de Implementação dos CAPS no Distrito Federal”, realizado pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) em 2021, a maior parte dos centros de atenção psicossocial do DF está em estado precário. Além disso, em todas as regiões há graves problemas para acesso ao transporte coletivo para os usuários dos equipamentos públicos e também de transporte interno, o que dificulta os servidores do CAPS de realizarem atividades centrais como as visitas domiciliares e o matriciamento.

Mas não apenas isso. De acordo com o estudo, outro ponto que chama atenção são os serviços para crianças e adolescentes. Infelizmente, eles são falhos, mesmo com a altíssima demanda. Há baixa cobertura do centro de atenção psicossocial infantil e o Centro de Orientação Médico-psicopedagógica (COMPP) é um dos poucos serviços públicos que realiza avaliações neuropsicológicas necessárias para o diagnóstico e tratamento de distúrbios de linguagem, transtorno do espectro autista e demais questões neurotípicas/atípicas, junto aos Centros Especializados em Reabilitação.

É preciso um olhar atento e comprometido com a questão. Mas, para além da necessidade de investimentos, quando falamos sobre saúde mental, infelizmente o tema ainda é tratado com muito preconceito e isso acaba por retardar muitos diagnósticos e agravar casos de doenças como depressão, esgotamento, síndrome de Burnout, entre outras.

Outro ponto que merece ser considerado é o impacto que as questões relacionadas a saúde mental exerce na vida cotidiana das pessoas, das famílias e das empresas. Muitas vezes, as pessoas acometidas por doenças ligadas a saúde mental veem suas vidas serem reviradas pelo avesso. Seja socialmente, na família, em relação a produtividade, essas pessoas sofrem em muitos níveis e, por isso, cada vez mais é preciso que olhemos para saúde mental dos indivíduos de forma integrada, tratando todas as nuances da questão, com terapias cada vez mais integrativas e que tenham um olhar de acolhimento e ressignificação.

Paralelo a isso, vale destacar que em razão de inúmeros fatores, cada vez mais temos visto as Classificações Internacionais de Doenças (CIDs) relacionadas aos transtornos mentais. Isso é reflexo do estilo de vida que estamos levando, de uma sociedade que cobra perfeição, rapidez, jornadas de trabalho exaustivas e com pouquíssimas pausas, da falta de inteligência emocional e da própria conjuntura, especialmente em relação a pandemia - uma pausa forçada que impactou toda a humanidade e evidenciou a necessidade de encaramos as questões relativas à saúde mental com muito cuidado e atenção.

Nesse aspecto, como profissional de saúde, vi de perto o esforço sobre-humano que muitos colegas fizeram para salvar vidas durante a pandemia de covid-19. Muitos precisaram se afastar dos familiares, se colocaram em risco para salvar o próximo, assistiram a inúmeros óbitos e tudo isso levou ao agravamento da saúde mental dos profissionais de saúde no DF, no Brasil e em todo mundo. Aqui, em razão de questões de estrutura de hospitais, da falta de insumos, de logística e pelo negacionismo que retardou a distribuição de vacinas, tivemos o maior número de óbitos de profissionais da enfermagem do mundo. Isso trouxe inúmeras consequências, entre elas o adoecimento da categoria.

Dito tudo isso, quero finalizar deixando uma reflexão. É preciso cuidar de quem cuida, é preciso tratar as questões relativas à saúde mental e evidenciá-las diariamente, não apenas em setembro, quando realizamos a campanha Setembro Amarelo. O esforço precisa ser conjunto. Poder Público, Terceiro Setor, escolas, famílias, enfim, toda a sociedade precisa dar as mãos e caminhar juntos para reverter essa situação tão desafiadora e que nos impele à luta.

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