Desde a criação de um Ministério da Defesa civil no Brasil, em 1999, o poder político das Forças Armadas tem diminuído. Mas houve uma tentativa de restaurar sua tutela sobre a vida republicana durante o governo de Jair Bolsonaro. Esse projeto fracassou nas eleições de 2022 e, principalmente, depois da tentativa de golpe de 8 de janeiro, que não encontrou o apoio nas Forças Armadas que muitos esperavam, inclusive o ex-presidente Jair Bolsonaro.
O que ocorreu desde a volta dos militares ao comando do Ministério da defesa, no governo Michel Temer, até a vitória eleitoral do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi uma recidiva do chamado “partido fardado”, que tutelou a República brasileira durante o século passado, sobretudo durante o regime militar. O “partido fardado”, na expressão de Oliveiros Ferreira, morreu com a redemocratização. Entretanto, Bolsonaro tentou exumá-lo para se manter no poder.
Desde 2008, várias ações formam realizadas com objetivo de dotar o país de uma política militar e uma doutrina de Defesa modernas, em sintonia com a ordem democrática. Àquela ocasião, foi elaborada uma Estratégia Nacional de Defesa, por civis e militares; em 2010, foi promulgada a Nova Lei de Defesa, que reforçou o papel do Ministério da Defesa; em 2011, a Lei de Liberdade de Informação; em 2012, leis em benefício da indústria de defesa; e, 2014, o relatório do Comitê Nacional da Verdade, que apurou os crimes praticados durante a ditadura militar.
Entretanto, com a chegada de Jair Bolsonaro ao poder, houve um retrocesso. Notabilizou-se uma militarização da administração federal e alimentou-se uma narrativa saudosista do regime militar, que serviram de base para os grupos de extrema-direita e o próprio presidente da República sonharem com uma aventura golpista.
Os militares envolvidos nas articulações golpistas, cujos nomes estão sendo revelados pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, em sua delação premiada, e muitos documentos já apreendidos, devem ser exemplarmente punidos pela Justiça comum; depois, pelas Forças Armadas, que precisam ser depuradas desses elementos golpistas.
O Supremo Tribunal Federal (STF), por dever constitucional, vem cumprindo o seu papel em relação aos fatos ocorridos em 8 de janeiro. O Superior Tribunal Militar (STM), também, ao enfatizar que a apuração e punição de crimes contra a ordem democrática são de atribuição do poder civil, ou seja, da Corte suprema.
Entretanto, há um vácuo que não pode ser desconsiderado. O Congresso Nacional se omite do dever intransferível de fixar o papel das Forças Armadas e da defesa nacional. A Política Nacional e a Estratégia Nacional de Defesa, que passaram a ser objeto de análise pelo Congresso Nacional pela Lei Complementar 136 de agosto de 2010, não tem merecido atenção dos líderes, deputados e senadores.
Ao Congresso cabe liderar, mediante diálogo com as Forças e a sociedade, um projeto de defesa que atenda aos interesses nacionais e nos dê capacidades dissuasórias frente a ameaças reais e/ou potenciais.