ALMIR PAZZIANOTTO PINTO
Advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho
É necessário aguardar a publicação do acórdão, para se conhecer na íntegra a decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), sobre o pagamento da Taxa Assistencial, objeto de acordos ou convenções coletivas de trabalho. Nada impede, entretanto, que se faça análise de matéria controvertida, de relevante interesse para entidades patronais e profissionais.
O ponto de partida é a natureza dos sindicatos. São pessoas jurídicas de direito privado, assim como as associações, as sociedades, as fundações, as organizações religiosas, os partidos políticos, e assim devem ser considerados. Não pertencem ao limitado círculo das pessoas jurídicas de direito público (Código Civil, artigos 41 e 44).
O art. 8º da Constituição de 1988 recepcionou parte do Título V da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que trata Da Organização Sindical. Repeliu, contudo, dispositivos que permitiam a interferência e a intervenção do Poder Público nas referidas entidades e substituiu a Carta de Reconhecimento por mero registro no Ministério do Trabalho. O art. 548 da CLT determina a composição do patrimônio sindical. A letra “a” trata da Contribuição Sindical, prevista no Capítulo III do mencionado Título, devida pelos participantes das respectivas categorias econômicas e profissionais. A letra “b” se refere “às contribuições dos associados, na forma estabelecida nos estatutos ou pelas assembleias gerais”. Como se vê, há visível distinção entre a Contribuição Sindical, que já foi obrigatória para todos, e as contribuições devidas por associados.
O “desconto para fins assistenciais”, ou “taxa assistencial” surgiu na década de 1970, ao lado da estabilidade da gestante, em dissídios coletivos ajuizados pela Federação dos Trabalhadores Químicos e Farmacêuticos do Estado de São Paulo e sindicatos do mesmo setor, entre os quais o de São Paulo. Convido o leitor a procurar pelo Dissídio Coletivo TRT-SP nº 215/75, Acórdão nº 7403/73, Relator Juiz Antônio Lamarca. Encontrará ambos os pedidos e o deferimento, por unanimidade. Dizia o julgado: “por unanimidade de votos, permitir o desconto de R$ 12,00 dos empregados associados ou não, em favor da entidade dos trabalhadores, importância essa a ser recolhida em conta vinculada, sem limites, da Caixa Econômica Federal”. No Tribunal Superior do Trabalho o desconto se condicionava à prévia e expressa autorização do empregado. Conheço o assunto, pois o advogado dos dissídios era eu.
À época raramente se registrava oposição por parte de não associados. Quase todos recolhiam o pagamento. A quantia era módica, e o dinheiro bem aplicado em assistência médica, dentária, alfabetização, curso de corte-e-costura, construção da sede própria e da colônia de férias na Praia Grande.
A taxa assistencial perdurou até a promulgação da Constituição de 1988. A previsão, contida no art. 8º, IV, da denominada “contribuição para custeio do sistema confederativo”, estimulou o apetite de sindicatos, cujos dirigentes passaram a reivindicar pagamentos em valores nada módicos, mais de uma vez ao ano, cumulativamente com a contribuição prevista “em lei”.
A reação dos trabalhadores, empregadores e do Ministério Público do Trabalho não se fez esperar. Em 1998, pressionada por sucessivos recursos, a Seção de Dissídios Coletivos do Tribunal Superior do Trabalho aprovou o Precedente Normativo nº 119. Decidiu que cláusula de acordo, convenção coletiva, ou sentença normativa, ordenando descontos salariais de trabalhadores não associados, viola a liberdade de sindicalização. Tomou como fundamento os artigos 5º, XX, e 8º, da Constituição. Em 2015, no mesmo sentido, embora com outras palavras, o STF aprovou a Súmula Vinculante nº 40 (Ver a ARE 1.042. 384, Rel. Ministro Roberto Barroso).
Ao que tudo indica, a Suprema Corte manterá as diretrizes adotadas com base em normas constitucionais. Compete ao empregado decidir em liberdade se ingressa como sócio, ou não. Como demonstração de reconhecimento do direito de não se sindicalizar, os sindicatos não devem criar obstáculos à recusa de pagamento, mas desenvolver intensas campanhas de sindicalização.
Desacredito da aprovação de emendas à Constituição, com o objetivo de exigir do empregado filiação e pagamento ao sindicato único da respectiva categoria profissional. Neste país onde o absurdo não é obstáculo, tudo, porém, pode acontecer.