Microempreendedores

Artigo: Pronampe, cavalo de Tróia e o Desenrola MPE

Crédito com juros indexado é sempre um grande risco, principalmente com a paralisia de operações desses empreendedores, diante de uma pandemia onde reinava a incerteza, impedindo previsões de retorno dos negócio

VALDIR OLIVEIRA

Em março de 2020, em um artigo para o Correio Braziliense, defendi que os pequenos empreendedores precisavam de subsídio para sobreviver a pandemia. A proposta de socorro do governo, à época, para os pequenos empreendedores, ignorou essa necessidade para as Micro e Pequenas Empresas (MPE) e pautou-se na oferta de crédito com o Programa Emergencial Pronampe (Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte). Esse foi um programa de garantia do governo para linhas de crédito dos bancos que tivessem o custo de até Selic + 1,25% ao ano. Como a Selic estava a 2% no início da pandemia, estimularam os pequenos empreendedores a pegar um crédito a 3,25% ao ano. O mercado foi inundado com oferta de crédito. Triste ilusão. Crédito com juros indexado é sempre um grande risco, principalmente com a paralisia de operações desses empreendedores, diante de uma pandemia onde reinava a incerteza, impedindo previsões de retorno dos negócios.

A garantia oferecida pelo Pronampe foi por meio do Fundo de Garantias de Operações (FGO ), criado em 2009, e tem a gestão do Banco do Brasil com a finalidade de garantir operações de giro ou investimento, para micro, pequenas e médias empresas, além de microempreendedores individuais. Foram realizadas 1,3 milhão de operações de crédito, no montante de aproximadamente R$ 120 bilhões, que representa 1/3 do total das operações de crédito para as MPEs no Brasil. A proposta inicial do governo era que o Fundo Garantidor alcançasse 80% do montante de cada operação, o que faria com que os bancos aceitassem a taxa de juros de 1,25% ao ano, tendo em vista o risco das operações ser reduzido a 20% dos valores contratados.

Em 2021, o governo federal mudou o conceito do Pronampe, retirando a classificação de emergencial, tornando o programa permanente. Para tanto, a nova lei autorizou uma renegociação, com mudanças de condições. A garantia do FGO, que antes era de 80% dos valores concedidos, passou a ser de 20%. Porém, os bancos foram autorizados a aumentar a taxa de juros para 6% ao ano. A elevação da taxa Selic nos anos de 2021 e 2022 provocou um incremento da taxa básica de juros de 2,00% para 13,75% ao ano. Assim, o custo total do programa emergencial, criado para socorrer os pequenos empreendedores, saiu de 3,25% ao ano, para 19,75% ao ano. O PRONAMPE se mostrou um Cavalo de Tróia que inviabilizou os negócios que foram obrigados a parar suas operações na pandemia, sendo estimulados ao endividamento, o que tornou inviável suas operações. Uma armadilha onde a isca foi o crédito.

O resultado obtido com a adoção de soluções de mercado para socorrer empreendedores vítimas da pandemia foi a inadimplência que cresce a cada dia, tendo em vista o estrangulamento de muitos que estão na fila do desequilíbrio de caixa. Sem as Micro e Pequenas Empresas, não teremos a retomada do desenvolvimento com a geração de emprego e a distribuição de renda que o Brasil tanto precisa para conter o empobrecimento, legado da COVID 19. O endividamento dos mais pobres já foi enfrentado com o Programa Desenrola. Já se anuncia a possibilidade de renegociação de dívidas de Estados e Municípios para equilibrar a situação fiscal dos entes federativos. Precisamos, de forma urgente, do mesmo tratamento para as pessoas jurídicas, mais especialmente as Micro e Pequenas Empresas.

São dois os desafios para os pequenos negócios, com relação a crédito. O primeiro é o estoque de dívidas oriundos do Pronampe. O caminho da securitização pode ser a salvação dos negócios que hoje sofrem a pressão de uma dívida impagável, fruto da pandemia e não de problemas de gestão ou escolhas de seus gestores. Essa solução pode ser inspirada no Programa de Securitização Agrícola (Pesa), instituído em 1998, para socorrer os pequenos agricultores que sofriam com dívidas impagáveis. O segundo desafio é criar um ambiente de juros que seja compatível com o crescimento da oferta de crédito. Não podemos imaginar que pequenos negócios suportem juros cobrados pelo sistema financeiro de hoje, que gira em torno de 36% ao ano.

O mercado não resolve tudo. Ele ajusta as situações de oferta e demanda sem medir as consequências para as pessoas. As soluções de mercado são importantes quando se tem condições de equilíbrio, o que não foi o caso na pandemia. Ofertar crédito como solução de emergência para as incertezas da pandemia foi uma armadilha. O pequeno empreendedor está pedindo socorro, gritando com a dor de quem está vendo o sonho se tornar um pesadelo. Precisamos resgatar os sonhos de quem não desistiu do Brasil. Está na hora de um Desenrola MPE para salvar aqueles que não abandonaram o emprego no momento mais difícil da nossa história recente. Que Deus abençoe o empreendedorismo brasileiro.

VALDIR OLIVEIRA, ex-Secretário de Desenvolvimento Econômico do Distrito Federal

Mais Lidas