O sistema brasileiro de controle de constitucionalidade das leis e atos normativos é extremamente complexo e abrange aspectos variados. Assim sendo, temos o controle direto e indireto, o concentrado e o difuso, o abstrato e o concreto, o recursal e o feito por via de exceção (quando em razão da cláusula de “repercussão geral”, os feitos são paralisados nas instâncias inferiores relativamente aos casos símiles e até mesmo os parecidos, um problema sério). Além do mais, a Suprema Corte brasileira controla sucessivamente os tratados e convenções internacionais em face da Constituição, julga a inconstitucionalidade por omissão, as reclamações constitucionais, as alegações de descumprimento de preceito fundamental, além de exercer a jurisdição penal e a quase penal, crimes de responsabilidade ratione personae. Supervisiona, além disso, a intervenção federal nos estados-membros da Federação, arbitra conflitos de jurisdição, decide em certos casos o habeas corpus e mandados de segurança, determina ou nega extradições e decide as causas de interesse da magistratura, além de comandar o Conselho Nacional de Justiça.
Isto posto, é melhor estudar ou dar transcrita a parcela de nossa Constituição que cuida do Supremo Tribunal Federal e de suas inúmeras atribuições e competências que o sufocam, pois são apenas 11 juízes, quando deveriam ser, no mínimo, 17 ministros, divididos em três turmas de cinco, ficando o presidente e o vice-presidente com algumas tarefas específicas. Em lugar algum do mundo existe Corte Constitucional com tantas competências.
A Constituição é clara. Em princípio, todos os juízes incidenter tantum, ao decidirem os casos que lhes estão afeitos, podem declarar, mas não em caráter definitivo, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, exatamente como nos Estados Unidos (EUA) e, parcialmente, em Portugal. Por isso mesmo, compete ao STF, nos termos do art. 102, III, julgar, mediante recurso extraordinário, as causas decididas em única ou última instância, quando a decisão recorrida: a) contrariar dispositivo desta Constituição; b) declarar a inconstitucionalidade de tratado ou lei federal; c) julgar válida lei ou ato de governo local contestado em face desta Constituição; d) julgar válida lei local contestada em face de lei federal.
Aqui a decisão da Suprema Corte tem efeitos inter partes. A lei fica a depender do Senado Federal, ao qual, a teor do art. 52, X, compete suspender a execução, no todo ou em parte, de lei declarada inconstitucional por decisão definitiva do STF.
Todavia, as decisões do STF, na práxis judiciária brasileira, vêm assumindo as feições de verdadeiros stare decisis, i.e., consuetudinária e majoritariamente, os juízes tomam como precedentes vinculativos não apenas as súmulas (jurisprudência cristalizada), mas as decisões pioneiras da Corte máxima. Aqui o STF assemelha-se à Suprema Corte norte-americana, cabendo-lhe resguardar os grandes princípios que alinhavam o tecido constitucional a partir dos sobrevalores da democracia e do Estado de Direito, da legalidade e da igualdade.
A Constituição de 1988 dispõe no art. 5.º, incisos LXVIII, LXIX, a e b, o que se segue:
Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
[...] LXVIII — conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder;
LXIX — conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por habeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;
LXX — o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados; [...]
O art. 102, I, d, dá originariamente competência ao STF para conhecer habeas data, habeas corpus e mandado de segurança contra atos de órgãos superiores dos Poderes da República entre si. O mesmo art. 102, q, dá-lhe competência originária para decidir “mandados de injunção”, quando a elaboração da norma regulamentadora faltante for atribuição do presidente da República, do Congresso ou de qualquer de suas Casas, do Tribunal de Contas da União, dos tribunais sTriuperiores ou do próprio Supremo Tribunal Federal.
Além dessas competências originárias e, portanto, rápidas para defender liberdades e colmatar lacunas, ao STF compete julgar em grau de recurso ordinário (art. 102, II, a), o habeas corpus, o mandado de segurança, o habeas data e o mandado de injunção decididos em única instância pelos Tribunais Superiores, se denegatória a decisão. O § 1.º desse artigo prevê o julgamento da arguição de descumprimento de preceito fundamental da Constituição, na forma da lei.
SACHA CALMON, advogado
Saiba Mais
-
Opinião Meio ambiente tem a ver com câncer
-
Opinião Artigo: Setembro Amarelo: a vida é uma dádiva
-
Opinião Artigo: A importância da referência e da representatividade negras
-
Opinião Artigo: O assédio sexual e a estabilidade no serviço público
-
Opinião Saúde mental nas empresas
-
Opinião Artigo: Ativação de marcas, ESG e música, tudo a ver