FÁBIO FELIX
Em 2021, apresentei na Câmara Legislativa do Distrito Federal uma proposta de obrigar o uso de câmeras corporais pelas polícias Civil e Militar do Distrito Federal. O projeto tinha como objetivo a produção de prova para a investigação criminal e a segurança na abordagem policial. Essa iniciativa era inspirada em uma proposta similar do estado de São Paulo que repercutiu muito, especialmente em razão dos expressivos números estatísticos que foram produzidos a partir daquela experiência. Nas unidades que receberam as câmeras, o número total de mortes decorrentes de intervenção policial em São Paulo caiu 80% em comparação aos 12 meses anteriores.
A natureza da violência policial em Brasília é diferente de outras cidades. A letalidade policial é reconhecidamente menor aqui do que em outras cidades do país. Embora casos do tipo ainda aconteçam e mereçam todos nossos esforços para que se reduzam ao número mais próximo de zero possível.
Mas a violência policial ainda é bastante frequente no Distrito Federal, especialmente nas periferias do DF. São várias regiões de cidades como Brazlândia, Planaltina, Ceilândia, Paranoá, São Sebastião, Estrutural em que jovens sabem exatamente qual é o plantão do GTOP que é mais violento que o outro. Locais onde o próprio fato de estar na rua já é motivo para sofrer agressões físicas e verbais.
Na Comissão de Direitos Humanos desta CLDF, percebemos, neste ano de 2023, um aumento expressivo de denúncias recebidas de violência policial. Só até o mês de junho foram cinquenta casos. Um número superior ao recebido em todo o ano de 2022, quando quarenta casos foram denunciados. Os casos vêm crescendo recorrentemente, em 2021, vinte e oito casos foram denunciados; em 2020, foram onze. O caso paulista mostrou dados expressivos no combate a esse tipo de violência. As lesões decorrentes de intervenção policial apresentaram uma queda expressiva, de 61%.
É importante registrar também que o Distrito Federal desempenha um papel fundamental na segurança institucional do país. A PMDF é a única polícia do Brasil responsável pela segurança da Esplanada dos Ministérios e da praça onde estão instaladas as sedes dos três poderes. Como vimos na tentativa de golpe que sofremos em 8 de janeiro, é necessário aprimorar as formas de controle sobre como atua a nossa polícia. Isso é importante não só para os cidadãos do DF, mas de todo o país. Se os policiais que participaram da operação no dia 8 estivessem usando câmeras corporais, poderíamos ter muito mais informação sobre o que de fato ocorreu ali.
O uso de uma nova tecnologia sempre traz receios de diversos lugares da sociedade. Um deles diz respeito ao uso dessa tecnologia pela própria polícia militar e sistema de justiça que, ao invés de garantir um controle adequado à atuação policial, pode aumentar distorções que hoje já funcionam para encarcerar de forma desproporcional jovens negros das periferias das nossas cidades. Pensando nisso, nosso projeto já inclui um artigo para proibir o uso de tecnologias de reconhecimento facial nas câmeras corporais, considerando os diversos vieses injustos sobre os quais essa tecnologia funciona.
Outro receio vem do risco de policiais militares, constrangidos pela gravação das câmeras, evitarem realizar abordagens e isso aumentar a sensação de insegurança. Os dados de São Paulo mostram que isso não ocorreu. De acordo com uma pesquisa da FGV, a evolução do número de flagrantes não se alterou de maneira diferencial nas unidades que receberam as câmeras em comparação às demais. Mais ainda, crimes como roubos, furtos e homicídios também não se alteraram por causa da introdução das câmeras. Não há evidências, portanto, que exista um custo dessa política pública em termos de aumento da criminalidade para o caso paulista.
Também cabe refletir sobre a percepção dos próprios policiais sobre essa iniciativa. Uma pesquisa recente publicada no site Fonte Segura apontou que 64% dos policiais militares do DF são contrários ao uso de câmeras corporais. A resistência a um instrumento de controle da atividade cotidiana é natural. No entanto, é importante ressaltar o caráter particular da atividade policial. Cabe ao estado o monopólio do uso legítimo da força e a polícia é a quem mais cotidianamente é delegado esse poder. Ter segurança de que essa atividade é exercida corretamente é um direito da população, que deve ser progressivamente compreendida pelos profissionais das forças de segurança.
FÁBIO FELIX, deputado distrital e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara Legislativa