O esporte mais popular do mundo passa por um momento emblemático. Na última sexta-feira, as jogadoras da seleção espanhola de futebol — campeãs mundiais na Copa realizada entre julho e agosto — reiteraram que se recusam a defender o país em campo enquanto não houver mudanças estruturais na organização da modalidade feminina. O protesto das atletas é o mais recente capítulo de uma crise que explodiu quando a Espanha conquistou o campeonato mundial.
Naquele 20 de agosto, o então presidente da Federação Espanhola de Futebol, Luis Rubiales, deu um beijo, sem consentimento, na boca da jogadora Jenni Hermoso, em uma cena transmitida para o mundo inteiro. O ato do dirigente provocou uma onda de protestos e uma sequência de desdobramentos importantes: a Fifa suspendeu Rubiales por 90 dias, o dirigente espanhol renunciou ao cargo e, na semana passada, tornou-se réu na Justiça comum por crime de agressão sexual e coerção. Na sexta-feira, o tribunal criminal determinou medida protetiva na qual o dirigente não pode estabelecer qualquer comunicação com a jogadora e deve permanecer a uma distância de, no mínimo, 200 metros.
No manifesto em que se recusam a jogar pela seleção, as campeãs mundiais afirmam que o afastamento de Rubiales e do ex-técnico Jorge Vilda é insuficiente. “As alterações que foram feitas não são suficientes para que as jogadoras se sintam num lugar seguro, onde as mulheres sejam respeitadas, o futebol feminino seja apoiado e onde possamos dar tudo de nós”, diz a carta aberta. Registre-se que a reivindicação espanhola não constitui movimento inédito.
Em 2019, a brasileira Marta, eleita a melhor do mundo por seis vezes, entrou em campo com uma chuteira preta para denunciar outro problema, comum em diversas atividades — a disparidade de rendimentos entre homens e mulheres.
A revolta no futebol vai além de questões de gênero. Novamente com epicentro na Espanha, ganhou dimensões planetárias a indignação do brasileiro Vinicius Junior, um dos mais talentosos e valorizados
do momento, contra manifestações racistas por parte de torcedores e — mais grave — a condescendência das autoridades do circuito futebolístico com a discriminação racial nos estádios. O protesto de Vini Junior obteve tamanha repercussão a ponto de a Organização das Nações Unidas manifestar desagravo ao atleta.
Não se sabe se a revolta das chuteiras acarretará mudanças significativas no futebol, esporte cujos interesses comerciais giram na casa dos bilhões de dólares e, como outras atividades profissionais, é amplamente gerido por homens. Mas o levante das jogadoras espanholas indica claramente um sinal dos tempos: não é mais possível tolerar machismo, discriminação, desrespeito e outros tipos de abuso em toda atividade humana.
A indignação espanhola encontra ecos na mobilização por uma mulher no Supremo Tribunal Federal ou no repúdio à vergonhosa minirreforma eleitoral, que afasta ainda mais mulheres e negros do processo político. Em diferentes locais do mundo, faz parte do status quo manter essa parcela da população em posição secundária ou subalterna. É preciso romper essas forças do atraso. No caso do futebol, a mudança está sendo exigida com veemência.
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