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Agricultura

Novo cenário para a integração dos sistemas agroalimentares

É imperioso repensar e fortalecer a agenda da integração regional dos sistemas agroalimentares no Cone Sul, para capitalizar as oportunidades e minimizar os riscos

Pesquisa do IPEDF mostra agricultura urbana e periurbana no DF -  (crédito: Aline Nóbrega/IPEDF)
Pesquisa do IPEDF mostra agricultura urbana e periurbana no DF - (crédito: Aline Nóbrega/IPEDF)
postado em 18/09/2023 06:00

GABRIEL DELGADO
coordenador da Região Sul e Representante do Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) no Brasil

Nos últimos anos, um conjunto de tendências estão reconfigurando a agricultura e a alimentação: urbanização crescente, mudança de dietas, tecnologias disruptivas, avanço da agenda ambiental, mudança climática, exigências de acesso a mercados e o peso das startups de base tecnológica. Estes fenômenos estão alterando profundamente a dinâmica e a governança dos sistemas agroalimentares.

É imperioso repensar e fortalecer a agenda da integração regional dos sistemas agroalimentares no Cone Sul, para capitalizar as oportunidades e minimizar os riscos. Destaco cinco áreas que podem contribuir: rastreabilidade, pecuária, serviços ambientais, fertilizantes e regulação de novas tecnologias.
O avanço da agenda ambiental e a digitalização na agricultura colocou no centro da discussão o tema da rastreabilidade, cuja função tem sido melhorar o sistema de controle da inocuidade dos alimentos, atributo cada vez mais valorizado pelos consumidores.

O Pacto Verde europeu, aprovado em 2022, ainda não implementado, limita o consumo de produtos que provenham, direta ou indiretamente, de áreas desmatadas. Para entrar nos mercados de destino, as cadeias de abastecimento deverão provar que a produção não causou desmatamento, o que vai requerer sistemas sólidos e sofisticados de rastreabilidade.

As diferenças nos países do Cone Sul (e entre cadeias) em relação aos sistemas de rastreabilidade e a importância que este tema vai adquirir nos próximos anos requer novas ações em termos de integração regional, de modo a minimizar as ameaças que esta futura regulação apresenta. O segundo tema é a pecuária. Os sistemas de produção ao redor do mundo estão sendo questionados, às vezes sem evidência científica, em várias esferas: da contribuição para a mudança climática a questões de saúde humana e nas zoonoses. Este avanço sobre a pecuária provém de fundações financiadas por empresas multinacionais e filantrópicas, alguns fóruns internacionais e por uma agenda urbana, que apregoa uma nova ética em relação aos animais.

Essa discussão ocupa um lugar preponderante na Conferências das Partes da ONU, e em outras iniciativas multilaterais, como o Pacto do Metano. A ação coletiva e a integração regional são estratégicas para o reposicionamento da pecuária no Cone Sul, atividade importante do ponto de vista econômico e social da região com potencial de melhora na sustentabilidade ambiental. O terceiro tema são os processos de identificação, medição, certificação, monetização e monitoramento dos serviços ambientais, que fornecem os sistemas de produção agropecuários da região. O Cone Sul é considerado uma das regiões com maior potencial para ser provedora de créditos de carbono, devido às suas práticas produtivas predominantes.

O quarto tema são os fertilizantes e o desafio de incrementar o autoabastecimento. O Cone Sul é a única região produtora de alimentos que não é autossustentável, pois todos os países são importadores líquidos deste um insumo chave para o incremento da produtividade e para cuidar do solo. Os choques geopolíticos, que açoitaram o mundo nos últimos dois anos, geraram forte incerteza no mercado, provocando ansiedade na região, especialmente no Brasil, que importa 80% dos fertilizantes utilizados. Mas a região conta com recursos naturais, infraestrutura e capacidades para aumentar de forma significativa a produção nacional, fomentando o comércio interregional e reduzindo a vulnerabilidade dos sistemas agroalimentares frente a choques externos.

Finalmente, a irrupção de novas tecnologias como edição genética, inteligência artificial e agricultura celular, entre outras, geram desafios regulatórios, que requerem harmonização das capacidades regulatórias, o que pode se converter em vantagem competitiva. A este desafio soma-se a consolidação de um ecossistema regional de empresas de base tecnológicas, dado que as novas startups latino-americanas possuem papel central na geração de inovações. A Semana da Agricultura Digital, organizada pelo Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA), é uma das ações de destaque no âmbito regional.

O fortalecimento da integração regional é uma estratégia geopolítica chave para o posicionamento do Cone Sul no mercado de proteínas, energia e recursos naturais, portanto é urgente reorientá-la à luz dos novos desafios e garantir que os sistemas agroalimentares continuem sendo determinantes para o bem-estar econômico, social e ambiental das populações da região.

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