A pegada material é uma medida da quantidade de recursos naturais usados por uma pessoa, organização ou país. É calculada pela soma de todos os recursos extraídos do ambiente, incluindo biomassa, combustíveis fósseis, minerais metálicos e minerais não metálicos, o que a torna ferramenta útil para medir o impacto ambiental de nossas atividades. A economia global tem se comportado como se os recursos materiais do planeta fossem ilimitados, e o aumento na pegada material é um alerta do consumo de recursos naturais de forma insustentável, o que ameaça a preservação dos ecossistemas essenciais à vida no planeta.
De acordo com estimativas da Organização das Nações Unidas (ONU), a pegada material global aumentou de 43 bilhões de toneladas em 1990 para 92 bilhões em 2017, e o ritmo da extração de recursos naturais tem acelerado desde 2000. Sem ações coordenadas a nível político, projeta-se que esse número alcance a marca de 190 bilhões de toneladas métricas até 2060. Outro alerta vem do fato da pegada material global estar aumentando mais rapidamente do que o crescimento populacional e a produção econômica.
São especialmente alarmantes a magnitude e as disparidades na pegada material per capita, conforme dados da ONU. Globalmente, a quantidade de recursos naturais necessários para satisfazer as necessidades de uma pessoa aumentou de 8,1 toneladas métricas em 1990 para 12,2 toneladas métricas em 2017. Em países ricos, esse número chega a cerca de 27 toneladas métricas por pessoa, 60% a mais do que países de renda média-alta (17 toneladas métricas por pessoa) e 13 vezes mais do que países de baixa renda (2 toneladas métricas por pessoa).
Um editorial recente da revista científica Nature destaca que as medidas convencionais de sustentabilidade podem ser enganosas, pois frequentemente ignoram os efeitos em cascata resultantes do uso de recursos materiais no planeta. A pegada material de países ricos muitas vezes depende de materiais de outros países, obtidos por meio de cadeias de abastecimento internacionais. A ONU estima que, em média per capita, os países de renda elevada dependem de 9,8 toneladas métricas de matérias-primas extraídas em outras partes do mundo.
Reflexo disso é que países como Finlândia, Suécia e Dinamarca, que estão no topo da classificação geral de progresso em relação aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), ocupam as posições 128ª, 137ª e 139ª no Índice de Efeito Cascata, medido para 166 países pela Rede de Soluções para o Desenvolvimento Sustentável (SDSN), ligada à ONU. Isso acontece porque este índice estima como as ações de cada país afetam a capacidade de outros países alcançar os ODS, levando em consideração impactos como emissões de carbono, produção de resíduos químicos e impacto nas florestas, que são também atribuídos ao país importador.
A realidade é que as métricas convencionais podem obscurecer os verdadeiros efeitos das atividades de consumo e produção, o que exige uma abordagem mais abrangente e global para avaliar a sustentabilidade. A introdução e consolidação de métricas não convencionais, como a pegada material e o Índice de Efeito Cascata, destacam os efeitos globais das atividades humanas e representam um passo fundamental na busca por uma avaliação mais inteligente, justa e eficaz do progresso em direção à sustentabilidade.
A implementação dessas métricas poderá ter implicações significativas para países como o Brasil, que possuem abundantes recursos naturais e desempenham um papel fundamental na produção e exportação de alimentos e recursos minerais. Métricas que considerem os impactos em toda a cadeia de suprimentos tendem a se consolidar, identificando áreas em que o país precisa melhorar a eficiência e reduzir os impactos negativos.
A aplicação de tais métricas pode levar o Brasil a ser responsabilizado não apenas pelo que ocorre dentro de suas fronteiras, mas também pelos efeitos de sua produção e exportações nas avaliações de sustentabilidade dos países com os quais mantém relações comerciais. Isso incentivará a busca por maneiras de reduzir o desperdício de recursos, melhorar a gestão ambiental e promover práticas mais sustentáveis na produção, no consumo e nas exportações.
Métricas inovadoras, como a pegada material e o Índice de Efeito Cascata, têm o potencial de influenciar as políticas e práticas do Brasil em relação à sustentabilidade. Embora apresentem desafios, também oferecem oportunidades para aprimorar a gestão de recursos naturais, promover a responsabilidade ambiental global e buscar caminhos mais sustentáveis para o desenvolvimento econômico do país.
Embora cruciais, tais métricas precisarão ser complementadas por mudanças de comportamento, tanto por parte dos produtores quanto dos consumidores. Além de uma compreensão mais profunda do papel das lideranças, dos formadores de opinião e da indústria publicitária, que influenciam as escolhas dos consumidores. É uma oportunidade para o Brasil valorizar mais o conhecimento científico, as boas práticas de produção e consumo, a comunicação responsável e as políticas que promovem a sustentabilidade de forma genuína e duradoura.
MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES, pesquisador da Embrapa Agroenergia
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