No momento em que o mundo todo, apesar das disparidades de recursos e de regimes políticos, volta seus esforços para a transição energética, o Brasil ainda olha superficialmente para as oportunidades e desafios que tem pela frente. Temos potencial para ser um player global da nova geopolítica energética e mineral e, com isso, promover um desenvolvimento mais sustentável no nosso próprio território.
Nesses dias em que ambos os hemisférios sentem na pele os efeitos das mudanças climáticas, poucos são aqueles que ainda negam a urgência da descarbonização mundial. Ora, clima, descarbonização, energia e mineração são elementos de uma mesma equação. As estimativas quanto à necessidade em insumos minerais para a transição variam de 4 a 6 vezes os níveis atuais, a depender dos cenários, daqui até 2040. Para alguns minérios, fala-se de um multiplicador da ordem 30 ou 40 vezes os níveis atuais.
Em manchetes e anúncios de efeito se insiste na pouco criativa metáfora da “corrida do ouro” para evocar os minerais críticos, ou até outros produtos associados à transição ecológica, como o hidrogênio verde. É sintomático que, ao se buscar uma imagem para representar esta grande oportunidade para o país, se prenuncia a metáfora de um modelo que, ao final do dia, nunca entregou o desenvolvimento prometido.
O Brasil deve explorar seu potencial mineral e energético. O país tem características territoriais que favorecem uma matriz energética não fóssil, e um potencial geológico com riquezas inegáveis. Contudo, as desigualdades socioeconômicas e disputas territoriais, fruto de um planejamento territorial quase inexistente, continuarão afetando nosso desenvolvimento enquanto não forem enfrentadas.
O governo vem anunciando medidas voltadas à regulação do setor mineral, mas não sabemos em que medida as iniciativas estão integradas, nem seu teor exato. Ora, se o desafio é não perdemos o timing do mercado global quanto à transição e a oferta para atender demandas externas e internas, a questão é menos sobre agilizar o licenciamento e muito mais sobre quais políticas públicas e privadas serão implementadas.
As garantias quanto às condições de exploração dos recursos minerais será um grande diferencial competitivo do futuro. Ambientalmente os empreendimentos mais recentes têm conseguido apresentar avanços, mas, sobretudo no enfrentamento à pobreza do entorno, na promoção do desenvolvimento local e na não-violação de direitos humanos, se constatam ainda os maiores desafios.
O licenciamento deve ser forte e assertivo, com foco no impacto do empreendimento e prevendo compensações amplas e justas. Mas não é dele que devemos esperar todas as soluções. Um pacote de medidas deve ser estabelecido para acompanhar o desenvolvimento de qualquer empreendimento do setor mineral, a serem implementadas conjuntamente, pelas empresas e pelo setor público. As parcerias devem ter como foco, (1) a construção de agendas de desenvolvimento territorial, (2) o fortalecimento de capacidades institucionais e (3) mecanismos financeiros.
Os investimentos em tal pacote, centrado na governança territorial, são insignificantes diante do montante destes empreendimentos, mas neles reside a possibilidade de iniciar um impacto socioeconômico positivo nesse setor. No longo prazo, a criação de uma cadeia industrial associada que nos permita ir além da situação de exportador de commodities minerais e importador de bens industrializados.
Num mercado que funciona na lógica de médio e longo prazo, se precipitar sem considerar seriamente a realidade socioeconômica, será causa de atraso. Na perspectiva de desenvolvimento sustentável, por mais que haja um mercado sob pressão, a “corrida do ouro” da transição energética será ouro de tolo.
Empresas, Estado e investidores, juntos, devem encarar seriamente esses desafios e propor um novo paradigma para a sociedade, no âmbito de uma ambiciosa e justa política mineral, incorporada pelos negócios. A nós, como sociedade, caberá a maturidade e o engajamento em questões difíceis, para fazer as escolhas que nos levarão, como país, a um futuro mais justo e menos desigual.
BRUNO GOMES, sociólogo pela Sorbonne e mestre em geopolítica pela Université de Paris 8, sócio fundador e coordenador institucional da Humana, agência especializada em desenvolvimento territorial e sustentabilidade
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