Negacionismo, aversão à imprensa, retórica explosiva, doutrinação ideológica, descompromisso com a liturgia do cargo, fomento ao discurso de ódio e à supremacia branca, apego às fake news, adoração pelas armas, misoginia, formação de uma horda de seguidores com viés messiânico, incitação a uma fobia pelo comunismo ou esquerdofobia, desprezo pela Justiça e pela Constituição, comportamento desagregador.
Donald Trump representa tudo isso. Mais sujo do que pau de galinheiro no terreno da Justiça, o republicano corre risco real de prisão por tentar subverter a democracia, fraudar as eleições de 2020 e tentar se perpetuar no poder por meio da ilegalidade. Na quinta-feira passada, a mugshot (foto de detento) revelou a própria imagem de Trump: sobrancelhas arqueadas, semblante sisudo, expressão insolente e desafiadora. Talvez, no fundo, um estratagema para disfarçar o medo e a vergonha. Nunca antes um ex-presidente dos EUA foi exposto como se fosse um presidiário.
O ano que vem será complicado para Trump, ainda sedento pelo poder. Como se não bastassem as cenas de vandalismo produzidas pela horda de seguidores, em 6 de janeiro de 2021, ao invadirem o Capitólio, depredarem gabinetes, destruírem o patrimônio público... Um ano depois, seguidores da extrema direita brasileira repetiram o ato no Congresso Nacional e o estenderam ao Palácio do Planalto e ao Supremo Tribunal Federal.
Trumpistas e bolsonaristas venderam, aos quatro cantos do planeta, a imagem de que os EUA e o Brasil se assemelham a repúblicas de bananas. Em 2024, Trump será levado ao banco dos réus e submetido ao júri por pelo menos duas vezes. Isso em meio à campanha para assegurar a indicação de seu nome como candidato do Partido Republicano à Casa Branca. Se eleito em novembro de 2024 e condenado pela Justiça, provocará uma crise constitucional sem precedentes.
O magnata que se aventurou como presidente cercou-se de gente tão avessa à democracia como ele próprio. Dezoito ex-assessores e ex-advogados também serão julgados por embarcarem na sanha golpista. Por fanatismo, ingenuidade, mau-caratismo ou ganância burra, lançaram suas biografias no lixo. Pagaram caro pela adoração a um executivo imerso em escândalos.
A política, sobretudo a posição de chefe de Estado, deve ser permeada pelo respeito absoluto às instituições, pela limitação bem constituída de poderes, pelo rígido e estrito cumprimento aos preceitos constitucionais, pela garantia da liberdade de expressão — isso não inclui disparar fake news para enganar o cidadão e beneficiar o engravatado que teme perder as benesses de seu gabinete climatizado e seus asseclas de plantão. A democracia se impõe com tudo o que se antagoniza ao que foi colocado no início deste texto. Quem tenta corrompê-la deve pagar caro por isso.