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Artigo: A expansão do Brics e os interesses do Brasil

Historicamente, o denominador comum entre os países originais do Brics era a reunir nações emergentes com perspectivas promissoras para escapar da unipolaridade que se delineava no ocaso da Guerra Fria

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS

No último final de semana, encerrou-se em Joanesburgo, na África do Sul, a Cúpula do Brics, organização que encerra Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul. Esse representativo grupo de países emergentes se articulou na década de 1990 com a finalidade depromover medidas de crescimento econômico e desenvolvimento social sustentável. Ganhou importância e notoriedade, firmando-se ao longo dos anos no conceito entre nações.

Ao final da reunião deste ano, o presidente Cyril Ramaphosa, da África do Sul, anfitrião do evento, anunciou que o grupo formulará um convite para que Arábia Saudita, Argentina, Egito, Emirados Árabes, Etiópia e Irã se juntem aos fundadores em uma nova conformação da organização. Caso esses convites sejam aceitos, a organização contará com 11 países, cada um com características múltiplas nos aspectos psicossociais, econômicos, militares, tecnológicos e políticos.

Historicamente, o denominador comum entre os países originais do Brics era a reunir nações emergentes com perspectivas promissoras para escapar da unipolaridade que se delineava no ocaso da Guerra Fria.
Hoje, a assimetria entre os atuais integrantes é claramente percebida e se aprofundará ainda mais com a entrada desses novos parceiros. China, com o exponencial crescimento do poder econômico e tecnológico, Índia, com mão de obra cada vez mais qualificada, e Rússia, com poderio militar ainda inquestionável, se descolaram do Brasil e da África do Sul que se atrasaram em suas caminhadas.

Quanto aos novos integrantes do bloco, observa-se o reconhecimento da velha economia do hidrocarboneto, sem dúvidas ainda relevante, mas em declínio na matriz energética, e a tentativa de apontar o farol para países importantes, todavia com atuação mais regional. Nesse contexto, está difícil encontrar claras vantagens na expansão do bloco que justifiquem o esforço de tentar equilibrar as diferenças entre tantos países. Como Napoleão disse uma vez: “dividir para conquistar”.

Alguns analistas acham que o Brics corre o risco de se tornar um grupo ideológico e revisionista. Sob liderança da China, em corrida pela afirmação de seu papel na geopolítica mundial contemporânea, avaliam que a organização buscará se fortalecer para contrapor-se ao Ocidente. Vamos agora considerar o contexto em que o Brasil se insere nessa nova situação e iluminar os desafios.

O general Golbery do Couto e Silva afirmou que, como em toda perspectiva geopolítica, a condição geográfica do Brasil deveria ser considerada, mas o pertencimento ao Ocidente precisaria ser visto como ideacional, e seus elementos essenciais seriam a democracia liberal e o cristianismo. Com as alterações recentes nas relações entre países, os princípios de Golbery ainda são vigentes? Tendo a acreditar que sim.
A China, embora paciente e pragmática, a cada dia demonstra querer subir ao ringue e disputar o cinturão de peso pesado da hegemonia mundial em uma luta Leste versus Oeste.

A postura antiocidental do gigante asiático, decorrente dessa disputa, possivelmente arrastará os parceiros do Brics a uma posição de divergência quanto à política externa da águia americana. Essa nova tecitura de poder atenderá aos interesses brasileiros? É de conhecimento público que a expansão do número de países do Brics foi uma proposta da China. No jogo de interesses, o que poderia aquele país ter prometido aos demais integrantes como moeda de troca que justificasse essa eventual mudança de rumo? As respostas a essas dúvidas virão com o tempo. Em rápida análise, elas não me parecem favoráveis ao nosso projeto de país mais poderoso, independente, respeitado e passível de influir nas decisões regionais e globais.

Equilíbrio sempre foi uma virtude elogiada nas nossas relações internacionais. Uma suposta nova postura ofenderia princípios seculares de nossa diplomacia. Uma diplomacia que tem em Rio Branco seu reconhecido patrono e que sempre buscou uma abordagem harmoniosa entre polos divergente. Uma diplomacia que, acima de tudo, se pautou em ações pragmáticas para resolução de nossos desafios e que agora terá um papel fundamental em aconselhar o governo de turno para proteger nossos ativos físicos, emocionais e humanos.

Estamos confiantes, embora atentos aos ensinamentos do Diálogo de Melos: “Deveis saber que o justo, nas discussões entre homens, só prevalece quando os interesses de ambos os lados são compatíveis, e que os fortes exercem o poder e os fracos se submetem”.

OTÁVIO SANTANA DO RÊGO BARROS, general da reserva, foi chefe do Centro de Comunicação Social do Exército

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