Democratização da aviação

Artigo: Carga pesada para o Brasil decolar

Quando mira na democratização do avião, o governo acerta dois alvos: o desejo de viajar dos brasileiros e o estímulo para um setor central da nossa economia

JEROME CADIER

Apesar de ser o quarto maior mercado de aviação doméstica do mundo, o número de passageiros no Brasil não cresce desde 2013. Por isso, um dos projetos mais importantes do governo Lula 3 é a democratização do acesso ao avião. Ninguém discorda que esta é uma missão nobre e fundamental para um país com apenas 0,5 viagens por habitante no ano. Nos Estados Unidos, o índice é de 2,6 viagens. Na Espanha, chega a 4,5.

Quando mira na democratização do avião, o governo acerta dois alvos: o desejo de viajar dos brasileiros e o estímulo para um setor central da nossa economia. Isso porque a aviação pode injetar até US$ 88 bilhões por ano no PIB brasileiro até 2037, empregando 3,2 milhões de pessoas, segundo a Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo). Mas nada disso combina com um aumento brutal de impostos. Se a Reforma Tributária aprovar uma alíquota estimada de 27% para a aviação brasileira, o IVA (Imposto sobre Valor Agregado) triplicará (aumento de 270%) a carga dos impostos atuais (ICMS, ISS, IPI e PIS/Cofins), gerando um impacto de R$ 11,1 bilhões.

É isso o que aponta o estudo preliminar da LCA Consultores, que deve ser concluído em setembro. Os primeiros resultados deste levantamento apontam que a carga tributária da aviação brasileira, hoje de 7,3% sobre a receita líquida, pode crescer nada menos que 19 pontos percentuais.Atualmente, a maior parte da carga tributária — 5,2% sobre a receita líquida — é a chamada “carga para trás” — composta por tributos acumulados na cadeia que geram crédito, mais tributos acumulados que não são compensados. Nessa rubrica, o maior peso é o dos combustíveis (3,8%). Se não forem feitas mudanças no texto da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 45/2019 aprovada pela Câmara dos Deputados, a carga para trás terá um aumento de 15 pontos percentuais. Ficará em 20,3% dentro da alíquota cheia, segundo o estudo preliminar da LCA.

A aviação brasileira não reivindica de forma alguma uma redução da carga tributária ou qualquer tratamento especial. O que se reivindica é a equiparação da carga do IVA com a carga tributária atual. A aviação é uma atividade mundial, que envolve players globais. Competimos com todos. Taxar companhias brasileiras mais do que outros países empobrece a economia nacional e transfere para outros países empregos que deveriam ser brasileiros. Temos que aprender com outros países que já realizaram a sua reforma e que souberam de forma inteligente não onerar o setor aéreo.

Com alíquota estimada de 27%, o Brasil teria de disputar espaço no mercado da aviação com países como a Argentina, onde a aviação doméstica recolhe 10,5% e os voos internacionais são totalmente isentos. Ou Equador, com alíquota-padrão de 12%, mas de 6% para voos internacionais. E o Chile, onde o IVA é de 19%, mas nem aviação doméstica nem internacional são tributadas. Sem competitividade, a aviação brasileira estará na contramão do mundo e menos brasileiros poderão viajar. Para competir, seria preciso contar com, por exemplo, isenção de IBS sobre o transporte internacional e tratamento especial para a tributação do arrendamento de aeronaves.

Os números da primeira fase do estudo da LCA já indicam de forma clara o que está em jogo para a aviação brasileira na tramitação da reforma no Congresso. Justamente no momento em que o Governo Lula trabalha para fazer decolar o Voa Brasil, programa que propõe oferecer passagens aéreas até R$ 200, o país corre o sério risco de ostentar o título de maior IVA do mundo para o setor aéreo. Seria um retrocesso histórico. Em vez de democratizar o avião, um país continental como o Brasil pode ver a sua aviação encolher.

O pleito não é redução de carga se comparado com hoje, mas, sim, a manutenção do que se paga atualmente, que entendemos ser justamente um dos principais objetivos da reforma. É por isso que a aviação brasileira unida por meio da Associação Brasileira das Empresas Aéreas  Abear) está dialogando com parlamentares e o governo todos os dias. Quem quer permitir que mais brasileiros voem, não precisa conceder privilégios ou benefícios para empresas aéreas. E muito menos deixar três vezes mais pesada a tentativa de fazer o Brasil decolar.

JEROME CADIER éCEO da Latam no Brasil

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