Supremo

Visão do Correio: O papel de Zanin

"É preciso que direita, esquerda, governo e oposição entendam, para além do burburinho das redes sociais, que o papel de Zanin — ou de qualquer outro ministro do Supremo — não é agradar este ou aquele"

Causou incômodo a setores da esquerda o voto do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Cristiano Zanin no caso que avalia a descriminalização do porte de maconha. Recém-indicado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e empossado há apenas três semanas, Zanin abriu a divergência do relator, ministro Alexandre de Moraes, que defende que o usuário que estiver carregando a droga não seja punido criminalmente, e indo contra os votos de Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Edson Fachin, que já haviam proferido suas opiniões, e Rosa Weber, que pediu para antecipar o voto no fim da sessão.

Foi o que bastou para que o novo ministro fosse comemorado por setores próximos ao bolsonarismo, com parlamentares ligados à bancada evangélica no Congresso exaltando a posição conservadora de Zanin na questão. Do outro lado, choveram críticas de quem esperava uma postura mais progressista do indicado de Lula, e já cobrando do presidente que a próxima indicação, que ocupará o lugar de Rosa Weber, que se aposenta em setembro, seja de uma mulher negra ou de alguém com origem trabalhista, com atuação no Tribunal Superior do Trabalho (TST).

No início da semana, Zanin já havia irritado setores ligados às pautas identitárias por votar contra a decisão que reconheceu que ofensas homofóbicas são equivalentes ao crime de injúria racial. Foi o único voto contrário da Corte. O novo ministro justificou a posição por um aspecto técnico processual, sem entrar no mérito da questão em si.

Passado o barulho das redes sociais, pode-se debruçar com calma sobre o voto de Zanin. Ele divergiu da descriminalização do porte de maconha, mas concordou com a fixação de um critério objetivo que diferencie o traficante do mero usuário. Existem propostas que variam de 100 gramas a um limite de até 25 gramas — como defendeu Zanin. Nesse sentido, o voto contrário do novo ministro é até mais assertivo do que o voto de Edson Fachin, que, apesar de a favor da descriminalização do porte, preferiu passar a bola para que o Legislativo decida qual o critério vai fazer essa diferenciação — o que poderia levar a um atraso de anos na efetivação da decisão.

É possível, inclusive, vislumbrar uma estratégia que justifique um voto aparentemente contraditório. É comum, em julgamentos colegiados, que os ministros circulem entre os pares seus votos com antecedência. Ou seja, com uma maioria formada, Zanin pôde se dar ao luxo de divergir para escolher a repercussão menos pior e evitar uma batalha em torno da narrativa de que o ministro escolhido por Lula libera as drogas, o que geraria um desgaste imenso para alguém que mal chegou à Corte. Como foi, Zanin saiu, ainda que temporariamente, da linha de tiro dos conservadores.

Portanto, é preciso que direita, esquerda, governo e oposição entendam, para além do burburinho das redes sociais, que o papel de Zanin — ou de qualquer outro ministro do Supremo — não é agradar este ou aquele. O que a sociedade brasileira espera de Zanin é que esteja à altura do imenso desafio de zelar pela Constituição, com coerência, responsabilidade e ponderação, sem privilegiar os interesses partidários ou defender pautas de qualquer governo que seja. Afinal de contas, o mandato do presidente que o colocou lá termina em 2026, enquanto sua permanência na cadeira do Supremo se estenderá até 2050.

Mais Lidas