Há uma semana, o Ceilândia era eliminado da Série D do Campeonato Brasileiro nas oitavas de final pelo Caxias. Perdeu nos pênaltis depois de 180 minutos sem gol no placar agregado nos estádios Centenário, em Caxias do Sul (RS), e no Abadião, ou melhor “Abadiates Stadium” para os íntimos, como é carinhosamente chamado pelos alvinegros em referência irônica ao Emirates Stadium do Arsenal, em Londres. O futebol candango segue a longa via-crucis. A capital do país não participa da Série C desde 2013. De 2014 em diante, o quadradinha só “ostenta” times na quarta divisão — a última do Campeonato Brasileiro.
O Ceilândia fez aniversário ontem. O clube completou 44 anos numa incurável ressaca. A intenção era soprar velinhas com a comunidade enfrentando a Portuguesa-RJ no cobiçado jogo do acesso à terceira divisão. O sonho virou pesadelo. Depois de projetar presença na Série C em 2024, o Gato Preto, como é carinhosamente chamado pela torcida, disputará apenas uma competição na próxima temporada: o Candangão.
A campanha de um dos clubes da cidade mais populosa do Distrito Federal — o outro é o Ceilandense — empolgou. Atingiu o alvo de qualquer time de futebol: o coração do povo. Agremiações populares e ricas da capital, como Gama e Brasiliense, conseguiram isso na virada e início deste século, porém ficaram de narizinho em pé. Deram as costas à torcida — o maior patrimônio de um time. Ambos foram definhando.
Um dos legados da campanha do Ceilândia é o respeito às origens. São 33km de distância entre o suntuoso Mané Garrincha, inaugurado em 2013 ao custo de R$ 1,5 bilhão, e o acanhado Abadião. A diretoria nem cogitou trocar a comunidade pelo Plano Piloto. Não abriu mão do calor humano. Assumiu a vida como ela é na simplicidade.
No último sábado, identifiquei algumas cenas características do futebol raiz. Cadeiras de plástico completavam os assentos do banco de reservas e arbitragem. O gramado era disputado com aves. De vez em quando, um quero-quero fazia voo rasante, aterrissava ou arremetia. Protegiam o ninho na base do grito enquanto jogadores tentavam colocar a bola onde a coruja dorme. Em tempo de arenização dos campos, havia gandula até no teto dos vestiários. Afinal, como como diz um dos clichês do futebol raiz, “bola pro mato (e pro telhado) que o jogo é de campeonato”. De vez em quando caía na laje.
Nos pênaltis, uma cobrança furou a rede, mas havia VAR, artigo de luxo bancado pela CBF das oitavas em diante. Algumas testemunhas assistiam ao jogo debruçados na janela do vestiário! Torcedores distraídos devido ao lanche Ous às compras na “loja” com 80 camisas à venda sabiam do resultado no boca a boca. A casa do Ceilândia não tem sequer placar manual. E daí? Resultados ruins não precisam ficar na memória. A estética surreal do futebol raiz, sim. Na alegria e na tristeza do “Abadiates”.