Avanço na medicina

Artigo: A revolução no tratamento das doenças onco-hematológicas

Há um ano, a Anvisa liberou no país o uso da terapia CAR-T em pacientes que não respondem mais a várias linhas de tratamento convencional

PHILLIP SCHEINBERG

A evolução da Medicina tem trazido esperança para brasileiros portadores de doenças onco-hematológicas como Leucemia Linfoblástica Aguda (LLA) de células B, Linfoma Difuso de Grandes Células B e Mieloma Múltiplo. Há um ano, a Anvisa liberou no país o uso da terapia CAR-T em pacientes que não respondem mais a várias linhas de tratamento convencional e, desta forma, autorizou os centros médicos a oferecer uma nova opção de técnica para controlar e dar a melhor chance para erradicar essas doenças.

Considerado uma revolução no tratamento onco-hematológico mundial, o CAR-T não é um procedimento simples. Esta é uma terapia especializada e complexa na qual as células do paciente, conhecidas como linfócitos, são obtidas por meio de um processo chamado aférese (separação dos componentes do sangue por centrifugação). A partir daí esses linfócitos são modificados em centros superespecializados, geralmente nos Estados Unidos ou Europa, onde os linfócitos T em particular são alterados para que reconheçam as células tumorais com maior efetividade, conseguindo destruí-las. Esse processo envolve o envio das células do paciente para o exterior e essa manufatura geralmente ocorre no período de um mês.

Após as células terem sido manufaturadas, elas estão prontas para serem infundidas no próprio paciente e são enviadas de volta, já modificadas, para o centro onde o paciente vem recebendo o tratamento. Nesse período, ele acaba recebendo uma terapia imunossupressora para dar “espaço” para essas células T do paciente que agora estão modificadas para serem infundidas e se expandirem no sangue do paciente, passando a reconhecer o tumor com maior
eficácia e sendo mais efetivas na sua destruição.

Após a infusão dessas novas células, entretanto, podem existir algumas complicações, como um processo inflamatório muito intenso conhecido como Síndrome de Liberação de Citocinas, que lembra um pouco o que vimos durante o período da Covid-19, quando os pacientes ficavam com frequência cardíaca aumentada, febre, queda da pressão, queda da saturação, às vezes precisando de UTI e ventilação mecânica. No caso da Covid, toda a reação inflamatória era causada por um vírus, já no CAR-T o processo é causado pelas células criadas para gerar de propósito essa reação inflamatória, mas ela pode ser exacerbada e ficar em descontrole. Existem algumas medicações para bloquear essa reação, por isso é importante que essa síndrome seja reconhecida prontamente pelos centros especializados e tratada quando está no início.

Quando as células CAR-T começaram a ser infundidas, nos estudos clínicos há cerca de 10 anos, não se sabia todos os efeitos adversos. Além do efeito inflamatório, um segundo efeito colateral é uma reação neurológica, quando o paciente pode ficar confuso, ter dificuldade de falar, ficar sonolento, ter dores de cabeça intensa e edemas cerebrais. Mas hoje são poucos os pacientes que evoluem mal por conta dessas complicações, pois se aprendeu muito sobre essas reações, como elas ocorrem e como podem ser revertidas precocemente antes que se tornem um problema maior.

Como o CAR-T é uma terapia complexa que precisa de expertise de várias áreas, ele exige uma robusta estrutura hospitalar e equipe multidisciplinar, com enfermagem, médicos, banco de sangue, UTI, hematologistas, neurologistas, infectologistas aptos e preparados no contexto de um programa de terapia celular. É preciso também o suporte de uma farmácia que consegue disponibilizar rapidamente as medicações e que tenha os antídotos para bloquear as síndromes inflamatórias da terapia. A BP, por exemplo, é certificada por dezenas de horas de auditoria por diferentes companhias internacionais e é hoje o terceiro centro em números de transplante de medula óssea do país e o maior de São Paulo nos últimos 5 anos consecutivos, que é umas das principias formas de terapia celular.

Toda o processo de tratamento CAR-T — que inclui desde avaliação do paciente, o preparo, o tratamento antes da terapia para levar o paciente para a infusão nas melhores condições e no melhor momento possível, no controle de processos e fluxos dos manuseios e depois a própria infusão — tem que estar muito bem alinhado entre a corpo clínico e demais equipes. Este alinhamento é determinante para o sucesso do procedimento. Lembrando que o CAR-T permite o resgate de pacientes que falharam em até sete linhas de tratamento. Estudos mostram que pacientes com linfomas refratários a múltiplas linhas de tratamento, as curvas de sobrevida têm se mantido em torno de 40%, ou seja, têm se mantido livre da doença, em remissão, por anos.

Para LLA, os números são ainda melhores, em torno de 50 a 60% de sobrevida livre de eventos, como a americana Emily, que se tornou um símbolo dos avanços dessa terapia na época, em 2012, aos 7 anos receber a terapia CAR-T em um protocolo de pesquisa (por não responder a mais tratamentos convencionais) e se mantém em remissão até hoje (por mais de 10 anos). Já para mieloma múltiplo os dados são menos maduros, porém temos visto que a capacidade das células CAR-T obter uma resposta em pacientes altamente refratários é alta, em torno de 80 a 90% no primeiro ano.

PHILLIP SCHEINBERG, hematologista e coordenador da Hematologia do Centro de Oncologia e Hematologia da BP — Beneficência Portuguesa de São Paulo

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