Desigualdade

Artigo: A mulher negra e os obstáculos da ascensão social

Guardiãs no meio da periferia, também carregam a responsabilidade de ser a mãe preta de morros, comunidades e mesmo na classe média

Patrícia Campos Guimarães de Souza, advogada, copresidente da Comissão de Igualdade
Racial OAB/DF e conselheira da seccional OAB/DF

Desde o período colonial, a mulher negra é tida — por parte significativa da sociedade brasileira — como um objeto sexual e de trabalho pesado, passando por diversos abusos sexuais e atualmente não difere muito. O corpo da mulher negra sempre foi colocado como um pedaço de carne, ao qual senhores tinham livre acesso. Porém, hoje pouco se fala que — no tempo da escravidão — essas mulheres eram estupradas para satisfazer os seus senhores. Atualmente, persiste como legado dessas ações e mentalidade, a visão patriarcal sobre o formato do corpo da morena e os quadris da mulata, ao mesmo tempo que — em relatos históricos e vivências contemporâneas — podemos verificar que a mulher negra sempre foi abandonada, lutando contra a discriminação e a solidão. Não é raro, ainda hoje, que muitas delas tenham dificuldade de manter um relacionamento amoroso, até mesmo com homens pretos que não as incluem em suas preferências. A mulher preta traz consigo os traços da ama de leite e muitas são mães solos. Guardiãs no meio da periferia, também carregam a responsabilidade de ser a mãe preta de morros, comunidades e mesmo na classe média. Muitas vezes, é aquela que "olha" os filhos das outras mães para elas poderem trabalhar e trazer o sustento para os seus filhos.

Essas mulheres pretas que, muitas vezes, trabalham como empregadas domésticas de damas da alta sociedade, localizadas na ponta da pirâmide social, e que têm na ponta da língua um discurso que — infelizmente — soa familiar: "Maria" está com a gente há tanto tempo que já faz parte da família. Porém, apesar da legislação vigente estabelecer direitos à categoria, vemos denúncias de infrações dessas leis e, ainda nos tempos atuais, algumas dessas "Marias" são as últimas dormirem e as primeiras a se levantarem para servir os seus senhores. Ironicamente falando, essas mulheres que são amadas enquanto servem, serão aquelas chamadas de ingratas porque pediram demissão e exigem os seus direitos trabalhistas.

Quando as mulheres pretas aparecem na ponta dos gráficos de estatísticas é tão somente para mostrar os altos índices de violência doméstica, população carcerária — sejam elas mesmas ou filhos e filhas presidiárias, mães periféricas, mães solo e das mulheres violentadas, seja na rua, seja até mesmo no parto, vitimadas pela violência obstétrica.

Esse cenário, somadas todas as dificuldades já mencionadas torna o caminho para ascensão social bem restrito para mulheres negras, que são a base da pirâmide social, sendo a maioria da população brasileira que enfrenta os desafios sociais e tem a necessidade de fortalecer sua voz e representação.

Fazer parte da base da pirâmide social, representa ser parcela mais ampla e menos privilegiada da sociedade, muitas vezes marginalizada e negligenciada. Quando adicionamos a dimensão racial e étnica, a posição das mulheres negras na base da pirâmide se torna ainda mais evidente. Elas enfrentam desigualdades múltiplas, decorrentes do racismo, do sexismo e de outras formas de discriminação. O principal pilar para começar a mudar esse contexto histórico da mulher negra começa pela educação, tão precária para a população de baixa renda. A periferia, onde a população negra é mais concentrada, reflete diretamente na qualidade do ensino oferecido. Adicionalmente, o preconceito racial é sofrido por aquelas que conseguem em uma pequenina minoria atingir o ambiente universitário.

A mulher preta enfrenta inúmeras dificuldades para conseguir o seu primeiro emprego fora do ambiente doméstico e manter ascensão profissional. Ela precisa enfrentar a discriminação racial e de gênero na contratação, além dos baixos salários e da falta de oportunidade de crescimento na carreira profissional. A falta de representatividade nas empresas esmorece as jovens mulheres pretas que buscam melhoria profissional. Para aquelas que precisam de políticas públicas para dependentes, só piora o quadro, por exemplo, na falta de acesso a creches e a outros espaços de acolhimento, dificultando ainda mais a conciliação entre o trabalho e a família.

A mulher preta enfrenta diversos obstáculos em busca da ascensão social. Para superá-los, exige o despertar dos governantes para políticas públicas acolhedoras que garantam uma educação de qualidade, incentivo ao primeiro emprego e capacitação para ascensão profissional. Junto a tudo isso, combater o racismo estrutural para elas poderem traçar seus caminhos com igualdade e oportunidade igualitária. Dessa forma, teremos um país que busca igualdade racial entre seus cidadãos com respeito a história da mulher preta.

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