Redação de jornal, especialmente na hora do fechamento, é um ambiente assustador; tenso, barulhento, invariavelmente insalubre. Mas a balbúrdia não parecia assustar a mulher elegante e esguia que nos foi apresentada como a revisora dos textos da primeira página.
Dad Squarisi não era daquele mundo, mas logo mostraria que tinha sido feita sob medida para aquilo. Enfrentou olhares desconfiados com cortesia e simpatia, mas se impôs inexoravelmente àquele bando de jornalistas experientes, sofomaníacos e ciumentos, que não gostavam que mexessem nos seus queijos, ainda que fedidos.
Era uma novidade. Até então os revisores ficavam mais perto das rotativas do que da redação; eram contratados e pagos pelo departamento industrial. Dad tinha lugar de honra; sentava-se em um nicho da mesa de fechamento, o local mais nervoso do ambiente e nenhum texto chegava à diagramação sem passar pelo seu crivo.
A revisão passou a ocupar espaço nobre a partir dela e exatamente num momento em que, com a chegada dos computadores já se ouvia os estertores dos revisores. Pode-se dizer que Dad reinventou a forma de se revisar os textos, buscando não apenas a ortografia correta, mas ousando explorar a sintaxe, sempre na busca da clareza.
Pouco tempo depois ela já ampliava as atividades, fazendo críticas – nunca de maneira dicaz - a textos publicados na edição anterior, como forma de mostrar que era possível ser mais claro, mais elegante e mais inteligível para o leitor. Ela se recusava a acreditar que um texto de jornal tem hora para morrer e, portanto, pode prescindir de qualidade.
Tornou-se, inicialmente, uma espécie de ombusdswoman, ainda que naquele momento não lidasse com os leitores, o que faria mais tarde. Não demorou para virar um oráculo – e não apenas para dúvidas de linguagem, por causa da serenidade com que tratava todos os assuntos. Mas o português publicado ainda era sua principal preocupação.
E teve a ideia de compilar as dúvidas mais frequentes em textos curtos que chegavam a todos na redação; o uso das variações dos porquês, os vacilantes hífens, as pequenas traições cometidas pela última flor do Lácio. Em seguida, fez um Manual da Redação que era seguido como uma Bíblia por repórteres, redatores e editores.
Alguém teve a ideia de transformar aquelas notas que circulavam internamente em uma coluna do jornal, inicialmente Dicas de Português, mais tarde, quando ela havia se tornado uma celebridade, Dicas da Dad. Virou livro, ganhou blog e fez a arisca língua portuguesa mais afável para o leitor.
A coluna foi um sucesso imediato. Escrevendo com simplicidade, ela conversava com os leitores e debulhava as notícias do dia de forma a esclarecer as dúvidas que ficavam. Não brigava com as novidades que surgem a todo momento, mas criticava o excesso de estrangeirismos e especialmente a mania de substantivação de verbos, à moda do inglês.
Priorizar? Errado, embora já seja aceito. Sempre é melhor dar prioridade. Mas não se pode ganhar todas. Ela sempre sugeriu dar preferência ao português ao invés dos estrangeirismos. Para que deletar se temos apagar; ou estartar no lugar de começar?
Foi com esse cuidado que Dad saiu da revisão e virou jornalista, o que a levou a assumir mais tarde a prestigiosa posição de editora de Opinião do Correio Braziliense.
O cargo é espinhoso. É o profissional que escolhe os textos de colaboradores que merecem ser publicados, se relaciona com os leitores por meio das cartas, e-mails e recados que chegam, define os jornalistas que ocupam colunas permanentes e, principalmente, espelha a posição do jornal nos mais diversos assuntos, por meio dos editoriais.
Dad tirou de letra. Com sua doce firmeza, inteligência aguda e prestígio, ela continuava a tirar dúvidas do idioma, mantendo porta sempre aberta e mostrando o riso largo e contagiante; era um oásis na aridez dos relacionamentos de uma redação.
Contratada para ensinar os jornalistas a escrever melhor e com mais clareza, Dad acabou ensinando também aos leitores. Virou professora de todos nós.