Eleições 2024

Artigo: As bases da pirâmide

Com 210 milhões de habitantes, a fome é problema diário para 70 milhões de brasileiros

“A democracia é um trabalho árduo”
- Steven Levitski & Daniel Ziblat

O Brasil se divide em 5.568 municípios; 73% têm entre 10 e 20 mil habitantes. Existem muitos com pouco mais, ou pouco menos de um mil. Borá, localizado a 486 km de São Paulo, é o segundo menor com 907 moradores. O último lugar é ocupado por Serra da Saudades, em Minas Gerais, com 830. Com 210 milhões de habitantes, a fome é problema diário para 70 milhões de brasileiros. Em 2024, teremos renovação ou reeleição de prefeitos municipais. Municípios constituem a base da pirâmide política. Possuem dois poderes locais: o Executivo, encabeçado pelo prefeito, e a Câmara Municipal, integrada por vereadores proporcionais à quantidade de habitantes. O Poder Judiciário não representa o povo. É subordinado ao Tribunal de Justiça do Estado.

A disputa lulismo contra o bolsonarismo estará presente em todas as comunidades, independentemente da localização, do número de habitantes, da economia e dos desafios sociais. As eleições de 2024 revelarão, melhor do que qualquer pesquisa, a divisão de forças políticas em cada município, estado e no conjunto nacional. As esquerdas, tendo à frente o Partido dos Trabalhadores (PT), acolitado pelo PCdoB, PSOL, PSB, e outros de menor expressão, se utilizarão de todos os recursos para a ampliação da base piramidal. A oposição tentará despertar os eleitores para os riscos da socialização.

Com 12 milhões de habitantes, São Paulo será palco de maior batalha eleitoral. Até o momento, surgiram dois pré-candidatos: o deputado federal Guilherme Boulos, pelo Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), e Ricardo Nunes, do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), que tentará manter-se à frente da Prefeitura, Socialismo e comunismo são primos irmãos. Têm em comum a aversão à democracia, à liberdade de opinião, à propriedade privada dos meios de produção. Usam os recursos democráticos até alcançarem o poder, para não mais devolvê-lo à oposição.

Deram maus resultados as experiências socialistas levadas a efeito na América Latina. Além de Cuba e El Salvador, temos o caso da vizinha Venezuela. Problemas sociais e econômicos crônicos se aprofundaram com a ascensão ao poder de Hugo Chávez e Nicolás Maduro. Não há oposição, imprensa livre, pluripartidarismo. As Forças Armadas estão a serviço do poder. Há presos políticos. Famílias inteiras se debatem na miséria, no desemprego, na fome. Buscam abrigo no Brasil, Peru, Colômbia, Chile. Milhões de refugiados, espalhados pelos países vizinhos, dão testemunho da ditadura socialista.

No Brasil, a democracia sempre foi frágil. Hoje, sustenta-se na Constituição de 1988, que tem a desfavor a leviandade com que o Poder Legislativo lhe faz alterações. Em 35 anos de vigência, sofreu 126 emendas. O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, destinado a disciplinar a transição do regime militar para o Estado Democrático, além de se tornar definitivo padece do acréscimo de dezenas de artigos, arbitrariamente introduzidos pelo Poder Legislativo.

Como as Democracias Morrem é o instigante título do livro escrito por Steven Levitski e Daniel Ziblatt. Registram os autores que a morte pode se dar “nas mãos de homens armados”. Observam, porém, que existem outras formas de se acabar com a democracia. Podem morrer, “não nas mãos de generais, mas de líderes eleitos — presidentes ou primeiros-ministros que subvertem o próprio processo que os levou ao poder” (Zahar Editor, RJ, 2018, pág. 15).

À luz de tantos golpes registrados pela história, passei a acreditar que o silêncio, a acomodação e a inércia são cúmplices dos inimigos da democracia. “A burguesia produz, sobretudo, os próprios coveiros”, ensinaram Karl Marx e Frederic Engels no Manifesto do Partido Comunista, o catecismo esquerdista que propõe a luta de classe e a ditadura do proletariado. “O homem é o problema da sociedade brasileira: sem salário, analfabeto, sem saúde, sem casa e, portanto, sem cidadania”, afirmou Ulysses Guimarães no preâmbulo A Constituição Coragem. Escritas há 35 anos, as palavras do presidente da Assembleia Constituinte permanecem como espelhos da realidade. Após a redemocratização, sucessivos governos esbanjaram promessas e nada fizeram, além das migalhas, para tornar o Brasil menos injusto e desigual. Como votarão em 2024 as camadas sociais esquecidas pela esquerda e pela direita, por Lula e Bolsonaro? Essa é a questão.

ALMIR PAZZIANOTTO PINTO, advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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