Artigo

Artigo: Lideranças

Sem lideranças as instituições ficam à deriva, as nações mergulham na crescente irrelevância ou caminham para o desastre

As sociedades, em qualquer sistema político, transitam entre o passado que constitui sua memória e a visão de futuro que inspira e desenha sua evolução. Ao longo desta jornada a liderança é indispensável, porque há decisões a tomar, confiança a conquistar, promessas a manter, ou não, e caminhos a propor. Nas instituições humanas, seja uma escola, seja um sindicato ou um país, a liderança é necessária para conduzir os liderados ao ponto que que se deseja alcançar. Sem lideranças as instituições ficam à deriva, as nações mergulham na crescente irrelevância ou caminham para o desastre.

O Brasil experimentou lideranças importantes e decisivas. Getúlio Vargas, em momento dificílimo da política internacional, conseguiu se equilibrar entre dois polos de atração, fascismo e comunismo, antes de se decidir pelo terceiro, que era o liberalismo norte-americano. Essa decisão permitiu que o Brasil começasse a produzir aço na siderúrgica de Volta Redonda, montada com tecnologia da US Steel norte-americana. As forças armadas dos Estados Unidos construíram os aeroportos do norte e do nordeste do país. E no Rio Grande do Norte foi estabelecida a maior base aeronaval dos Estados Unidos antes da invasão da Europa, em Parnamirim, perto de Natal.

O presidente Juscelino Kubitschek enxergou um novo país. Anunciou 50 anos em cinco, divulgou suas 50 metas e a meta síntese que foi a transferência da capital para o centro do país e a consequente construção de Brasília. Esta decisão do presidente abriu os caminhos para o Centro-Oeste e o Noroeste. Hoje, um tapete de grãos se estende desde Brasília até as costas do Piauí, entra pelo Pará e criou o magnífico Matopiba (Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia), uma enorme área plana, onde viceja soja e milho.

Juscelino aproveitou a infraestrutura criada por Getúlio Vargas e instalou a indústria automobilística. O Brasil produzia aço, os estrangeiros instalaram suas fábricas em São Paulo e passaram a utilizar material nacional para produzir automóveis, caminhões e ônibus. Surgiu assim, naturalmente, a categoria profissional dos metalúrgicos: operários qualificados para trabalhar nas enormes fábricas que surgiram em São Paulo e depois se espalharam por outros estados brasileiros. Junto com os operários surgiram os sindicatos e suas respectivas lideranças. O presidente Lula, metalúrgico e líder sindical, utiliza as circunstâncias que os líderes criaram a partir da década de 1930.

Antes de ocorrer a nova revolução provocada pela informática e suas importantes derivações, imaginar o futuro era relativamente fácil. Hoje, na era da inteligência artificial, não mais existem limites e tudo é possível para os humanos. Viajar para Marte deixou de ser ficção científica. A guerra na Europa perto das fronteiras de Alemanha e França, provocada pela Rússia, era algo impensável há dois anos. Hoje é uma realidade difícil de entender e ainda mais difícil de resolver. Ao sul do Brasil, a Argentina faliu e vai precisar de tempo, liderança e determinação para se reerguer, caso contrário caminhará para a irrelevância.

Apareceu um livro excepcional, em português, chamado Liderança, seis estudos sobre estratégia, Henry Kissinger. Objetiva. O presidente Lula não gosta de quem se sente na condição de indicar a ele caminhos. Ele julga que sua experiência é superior ao ensinamento de qualquer professor ou doutor. Kissinger, no entanto, além da extraordinária vida política foi um professor de alta qualidade. E passou por situações difíceis quando sua família fugiu do nazismo e migrou para os Estados Unidos. Lá, ele fez os cursos universitários e serviu o exército na época da Segunda Guerra Mundial. E voltou à Alemanha na qualidade de soldado norte-americano.

Mais que isso conversou com os principais líderes do mundo ocidental, além de ter criado as condições para que o governo dos Estados Unidos reconhecesse Pequim nos anos 1970. E assim foi inventada a poderosa China atual. Vale a pena percorrer as 465 páginas do interessante depoimento, escrito na primeira pessoa, sobre seis líderes com quem ele conversou. Um deles, Konrad Adenauer, foi quem recebeu a Alemanha destruída, invadida, humilhada, destroçada e sem liderança civil. Ainda assim, ele criou as condições para o país se reerguer e, posteriormente, se reunificar. “Não se recorre ao estadista para resolver questões simples. Estas se resolvem sozinhas. É quando o equilíbrio estremece, as proporções estão envoltas na bruma, que se apresenta a oportunidade para decisões que podem salvar o mundo”. Quem disse isso foi Winston Churchill, muito citado no livro.

*ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, Jornalista

Mais Lidas