Desde a chegada ao Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro — onde a mãe dele passou a viver com a companheira —, Davi Lucca, 3 anos e 9 meses, começou a apresentar lesões pelo corpo. Questionadas por vizinhos, as duas diziam não saber o motivo dos machucados. Novos hematomas surgiram, e a mesma mentira foi contada. Na escalada de violência, o garotinho apareceu um dia com o braço quebrado. A dupla alegou que ele caiu da escada. No domingo passado, a criança deu entrada no hospital com parada cardiorrespiratória, resultado de outra "queda", e não resistiu. Além de sinais de espancamento, Davi Lucca tinha hematomas antigos. A mãe e a companheira dela foram presas, suspeitas de assassinato.
Em Fortaleza, na segunda-feira, a Polícia Federal prendeu cinco mulheres, acusadas de abusar sexualmente dos próprios filhos e de sobrinhos, todos com menos de 9 anos — um deles, um bebê. Elas registravam os estupros em fotos e vídeos e enviavam para um psicólogo, flagrado por agentes com mais de 12 mil arquivos desse tipo de conteúdo.
As atrocidades que destaquei são um recorte do quanto a própria casa se torna local de martírio para crianças e adolescentes. Os dados do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgados na semana passada, reiteram levantamentos de anos anteriores feitos pela entidade, e por tantas outras, sobre o nível de violência a que meninos e meninas são submetidos por quem tinha a obrigação de protegê-los — pais, padrastos, mães, madrastas, irmãos, primos, tios, avós. E a barbárie ocorre geralmente no lar, que deveria ser o lugar de maior segurança para eles.
De acordo com o anuário, o número de estupros de crianças e adolescentes cresceu 15,3% em 2022 em relação ao ano anterior (de 45.076 casos para 51.971). Os crimes de maus-tratos aumentaram 13,8%: foram 22.527 registros — 60% das vítimas tinham de 0 a 9 anos.
Volto a enfatizar neste espaço a urgência de combater, efetivamente, a violência contra meninos e meninas. Este país tem de parar, imediatamente, de ignorar a dor deles. Cabe ao Estado, pelo poder que possui, tomar a frente e fazer da proteção desse público uma luta nacional, implementar políticas públicas, convocar esforço coletivo, fortalecer a tão falha rede de atendimento.
Família e sociedade, obviamente, têm de estar nessa linha de frente, e não virar o rosto para a perversidade. Quem souber ou suspeitar de abusos deve acionar delegacias, conselhos tutelares ou recorrer a canais como o Disque 100 e o aplicativo Proteja Brasil. A segurança de crianças e adolescentes é um dever de todos nós.