ALEXANDRE FORMISANO
Todos os anos, milhares de pessoas desaparecem ao redor do mundo. As consequências destas situações nos fazem lembrar da necessidade de destinar um olhar humanitário, que nos envolve a todos. O Dia Internacional das Pessoas Desaparecidas, celebrado anualmente em 30 de agosto, é uma oportunidade para lembrarmos das pessoas que desapareceram por diversas circunstâncias, incluindo conflitos armados, violência, desastres naturais e incidentes em rotas migratórias. É também uma oportunidade para lembrarmos dos familiares que buscam e esperam por uma resposta sobre seus entes queridos desaparecidos, assim como do papel que esperam que as instituições e a sociedade civil exerça diante desta dura realidade.
No Brasil, desaparecimento de pessoas tem sido reconhecido como uma realidade atual, que se prolonga há décadas e está ligada a fatores diferentes. É o que se extrai da legislação recente, da existência de comitês e grupos de trabalho por instituições públicas e da sociedade civil, no âmbito nacional ou local. Em muitas situações, a ocorrência do desaparecimento está ligada simultaneamente a diferentes tipos de risco, que se sobrepõem ou aparecem mescladas. Em outras, as circunstâncias do desaparecimento permanecem inaparentes e a ausência de esclarecimento sobre os casos dificulta uma compreensão mais completa do fenômeno.
Os dados disponíveis indicam que se trata de uma realidade de grandes dimensões: somente em 2022, mais de 75.000 registros de desaparecimento (acompanhamentos de cerca de 39.000 registros de encontro) foram contabilizados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (que compila os dados fornecidos pelas Secretarias de Segurança Pública do país).
Trabalhando com grupos de familiares de pessoas desaparecidas, autoridades e especialistas brasileiros, o Comitê Internacional da Cruz Vermelha (CICV) tem constatado que as consequências do desaparecimento de pessoas também se enxergam pela experiência das famílias que daqueles que desapareceram (e desaparecem a cada dia). E por isso, lembra da necessidade de que também sua realidade seja reconhecida neste dia 30 de Agosto.
Frequentemente, os familiares dedicados à busca têm dificuldades para encontrar informações confiáveis. Eles convivem com a incerteza sobre o paradeiro de seu ente querido muitas vezes por anos ou décadas. Dedicam-se à busca por respostas e, muitas vezes, encontram pouco apoio. Neste percurso, passam por riscos e enfrentam experiências traumatizantes, de desamparo e incompreensão. Muitos esgotam os seus recursos financeiros e emocionais, o que também debilita sua saúde física e mental, levando ao adoecimento. Além disso, podem sentir-se isolados, ter dificuldades para trabalhar, para acessar seus direitos e para outras atividades da vida diária. Quanto menor a resposta da comunidade e dos serviços públicos, mais graves se tornam as suas necessidades.
É certo que eles também desenvolvem uma resiliência extraordinária para lidar com problemas novos, e encontram, no apoio mútuo e em expressões externas de solidariedade, energia nova para conviverem com a ausência, enquanto buscam por respostas e por medidas que impeçam que outras famílias experimentem sua dor. “Eu não desejo isso para nenhuma outra mãe”, como costumam dizer.
Nesse sentido, o Dia Internacional das Pessoas Desaparecidas é uma oportunidade para lembrar e honrar a memória daqueles que desapareceram e seguem sendo buscados por suas famílias. É também o dia de lembrar e reconhecer a luta dos que ficaram e que têm de conviver com a ausência.
O CICV soma-se a este esforço , convidando a toda a sociedade para expressar sua solidariedade, engajar-se e jogar luzes sobre as consequências do desaparecimento no âmbito individual, familiar e comunitário.
O CICV mantém contato e apoia grupos de familiares de pessoas desaparecidas, no Brasil e no mundo, a fim de compreender o impacto do de desaparecimento. Desenvolve programas adaptados a cada realidade, para mitigar as consequências humanitárias deste evento e apoia a auto-organização das famílias, trabalhando em conjunto com elas para ampliar sua capacidade de prestar apoio a outras famílias e de participar da construção de políticas públicas que respondam às suas necessidades.
O CICV também incentiva e presta apoio técnico às autoridades para que aperfeiçoem e desenvolvam políticas públicas capazes de responder às necessidades das pessoas afetadas pelo desaparecimento, incluindo a criação de um mecanismo de coordenação entre as instituições que têm um papel relevante para a busca, localização e identificação de pessoas vivas e falecidas, assim como para o atendimento multidisciplinar dos familiares das pessoas desaparecidas e de todas as pessoas afetadas pelo desaparecimento. Para isso, presta recomendações técnicas e compartilha experiências adquiridas no trabalho humanitário realizado no Brasil e em outros países.
ALEXANDRE FORMISANO, chefe da Delegação Regional do Comitê Internacional da Cruz Vermelha para Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai
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