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Política

Artigo: Ministro Francisco Dornelles

Foi o ministro da Fazenda ideal naquelas difíceis circunstâncias. De formação conservadora, preocupava-se com a espiral inflacionária e o deficit público. Defendia a elevação da taxa de juros como arma de combate à inflação, e rigoroso controle dos gastos governamentais

Francisco Dornelles -  (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
Francisco Dornelles - (crédito: Edilson Rodrigues/Agência Senado)
postado em 27/08/2023 06:00

ALMIR PAZZIANOTTO

Conheci o ministro Francisco Dorneles, falecido no Rio de Janeiro, no último dia 23. Veio-me à lembrança que nos encontramos em São Paulo, no início de 1985, quando aqui esteve para me avisar que seria o ministro do Trabalho do presidente Tancredo Neves. A reunião aconteceu no Hotel Maksoud Plaza. Participou Roberto Gusmão, escolhido para ministro da Indústria e Comércio. Em linhas gerais, o doutor Francisco Dornelles nos informou o que de ambos esperavam o futuro presidente. A mim, incumbiria defender as reivindicações das classes trabalhadoras. A Roberto Gusmão estimular a retomada do desenvolvimento.

Com a morte de Tancredo Neves, assumiu o vice-presidente José Sarney. Com sabedoria maranhense manteve o ministério que lhe havia sido legado pelo falecido presidente. Francisco Dornelles era o ministro da Fazenda ideal naquelas difíceis circunstâncias. De formação conservadora, preocupava-se com a espiral inflacionária e o deficit público. Defendia a elevação da taxa de juros como arma de combate à inflação, e rigoroso controle dos gastos governamentais.

O presidente José Sarney pensava de forma contrária. No livro Vinte Anos de Plano Cruzado, declarou que, ao assumir o governo “a nossa economia estava numa situação extremamente difícil”. O deficit orçamentário era de 60%; a despesa de 201 trilhões em moeda da época, a arrecadação de apenas 112 trilhões. Não bastasse, por haver assumido com a morte de Tancredo, sem legitimação política e sem ter nomeado os auxiliares diretos, admite que “a minha situação era muito difícil” (Ed. Senado Federal, Brasília, DF, 2006).

Dornelles deixou o governo em agosto de 1985, atritado com o ministro João Sayad, titular da pasta do Planejamento. Sayad trouxe para auxiliá-lo economistas vinculados ao PMDB, os quais propunham política tolerante diante da inflação, com o objetivo de facilitar a retomada do crescimento. Como substituto de Dornelles, para chefiar o Ministério da Fazenda, foi escolhido o empresário paulista Dilson Funaro, o qual contava com o apoio do deputado Ulysses Guimarães.

Envolvido pelo turbilhão de movimentos grevistas, deflagrados pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), braço sindical do PT, não me sobrava tempo para me envolver com questões econômicas e problemas relacionados à composição do Ministério. Entendi, porém — e é a primeira vez que o reconheço publicamente — que o presidente Sarney cometia grave erro de julgamento. O resultado da alteração ministerial se revelou em fevereiro de 1986, com a decretação do Plano Cruzado, concebido pelo ministro João Sayad, com a participação dos economistas Francisco Lopes, Pérsio Arida e André Lara Resende. Como relata o presidente Sarney, “inicialmente, baixamos um primeiro decreto, de alinhamento de preços — ninguém sabia do que se tratava. Ele foi estudado e feito pelo Pérsio Arida. Aumentamos linearmente preços e salários” (ob. cit., pág. 20).

A essência do complexo e audacioso plano consistia no congelamento geral de preços, por tempo indeterminado. Escreve o presidente José Sarney: “Estabelecemos uma média de preços por meio da tablita. E aí eu disse que eu não teria condições de fazer um Plano dessa natureza se nós fizéssemos a correção total dos salários e preços, ao invés de fazermos o congelamento. Mas precisava ter coragem para congelar. A equipe econômica ficou muito em dúvida se havia algum governante, algum Presidente que tivesse coragem de enfrentar a decretação do congelamento naquele momento. Assegurei-lhes que eu arcava com essa coragem. Sayad disse até que era uma audácia” (fl. 22).

O que se seguiu quase todos sabem. Em cinco anos de governo foram quatro ministros da Fazenda e quatro heterodoxos planos econômicos malogrados (Cruzado I, Cruzado II, Bresser e Maílson). A popularidade do presidente José Sarney declinou com o passar dos meses. Entregou o governo ao presidente Fernando Collor, em março de 1990, com a nova Constituição, promulgada em 5/10/1888, 4% de desemprego, e inflação de 1.782,90%, em 1989.

O insucesso do presidente Sarney, na esfera política, foi recompensado pelo êxito do processo de transição do Regime Militar para a democracia. Tive parte de responsabilidade nos erros e acertos do presidente. Do Cruzado I participei com o salário móvel, ou gatilho salarial; a livre negociação coletiva; a criação do seguro-desemprego; o fim das intervenções nas entidades sindicais, violência que combati e não pratiquei, desde o primeiro dia como ministro do Trabalho.

ALMIR PAZZIANOTTO, advogado. Foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

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