JOSÉ HORTA MANZANO
Empresário
Faz tempo que a era bolsonariana está nos acréscimos, mas parece que o juiz esqueceu de apitar o fim do jogo. Para quem imaginou que, virado o calendário para 2023, o capitão desceria do palco, o desagrado está sendo enjoativo. Apupado e alvejado por ovos e tomates, o capitão continua sob os holofotes. O espetáculo das joias traficadas é tão palpitante que está ofuscando outros fatos nacionais tão ou mais importantes que as vilezas bolsonáricas.
Muitos anos atrás, quando este blogueiro cumpria a escolaridade obrigatória, aprendíamos quatro línguas: português, inglês, francês e latim. O português, língua oficial, tinha carga horária mais consistente. O inglês e o francês se justificavam por sua importância nas relações internacionais de então. Já o latim contribuía para o aprendizado de nossa língua.
Nas décadas seguintes, o ensino de línguas foi seguidamente podado. Foi-se o latim, foi-se o francês. Só sobrou um inglesinho um tanto precário. Armou-se turbilhão vicioso e descendente: com a baixa de qualidade no ensino, professores receberam formação precária; uma vez formados, transmitiram o que tinham aprendido.
Com a chegada de Lula 3.0, certas distorções do governo anterior começam a ser desfeitas. Fora, escola militarizada! Fora, todos esses sinais que remetem à verticalidade de um mando único! Xô, aliciamento juvenil estilo Hitler-Jugend!
A nova bússola merece aplausos, só que o diabo se esconde nos detalhes. Sem alardeio, o Ministério da Educação anunciou seu plano geral. No capítulo línguas, o texto traz uma formulação sutil que tende a informar que o objetivo é acabar com o estudo do inglês — a ser substituído pelo... espanhol.
O pretexto é um malabarismo ensaboado: nosso país é cercado de vizinhos que falam espanhol. Seria argumento a considerar, não fosse enganoso. Como se sabe, desde o início do povoamento, lusos e castelhanos nunca se bicaram, e cada um viveu voltado para sua respectiva metrópole. Tirando zonas fronteiriças, é pequeno o contacto entre brasileiros e vizinhos. Quando há, o “portunhol” faz milagres. As relações entre vizinhos nunca se deixaram entravar pela barreira da língua.
O que o governo não diz é que, atrás da proposta de banir o inglês, está o velho ressentimento, herdado dos tempos da Guerra Fria, que manda lançar mão de qualquer artimanha para combater o imperialismo do malvado Tio Sam. O banimento do inglês está na mesma linha que a proposta de Luiz Inácio de substituir o dólar por qualquer outra moeda no comércio internacional.
O que Lula não percebe é que ele se meteu numa luta assimétrica. A luta pela substituição do dólar por outra moeda é combate de estilingue contra tanque de guerra. Nas trocas internacionais, o peso do Brasil é pequeno. Toda agitação lulopetista nesse campo será esforço desperdiçado. No ensino, substituir o inglês pelo espanhol só prejudicará os brasileirinhos. No exterior, com o inglês, o brasileiro poderá se virar em qualquer lugar do mundo. Unicamente com o espanhol, não irá muito longe.
Na internet, então, o domínio da língua inglesa é acachapante. Estatísticas deste mês, que levam em consideração os 10 milhões de sites mais consultados, informam que mais da metade deles são escritos em inglês. São exatamente 53,6% enquanto o espanhol se contenta com 5,3%. Isso corresponde a uma página em espanhol para dez em inglês. Não há ressentimento lulopetista que possa alterar essa realidade. Para pesquisa, informação, estudo ou diversão, o consulente terá 10 vezes mais chance de ser bem servido em inglês do que em espanhol.
O inglês se tornou, de fato, a língua franca planetária. Quem quiser se comunicar com um fornecedor (ou um cliente) da Europa, da Ásia, da África ou da Oceânia terá obrigatoriamente de fazê-lo em inglês. Ou na língua local do correspondente, exercício complicado quando não se fala coreano ou vietnamita. O espanhol dificilmente somará pontos no currículo, ao passo que o inglês é cada vez mais exigido. Profissões para as quais português antes bastava hoje exigem domínio ou bons conhecimentos de inglês.
Está na hora de a empoeirada doutrina lulopetista se sacudir. Será bom o governo entender que o que está em jogo não é a permanência ou não do Tio Sam no comando — o que se quer é formar brasileirinhos preparados para ter sucesso no mundo difícil e competitivo que os espera. Ainda dá tempo.
JOSÉ HORTA MANZANO, empresário
Saiba Mais
Gostou da matéria? Escolha como acompanhar as principais notícias do Correio:
Dê a sua opinião! O Correio tem um espaço na edição impressa para publicar a opinião dos leitores pelo e-mail sredat.df@dabr.com.br