PAULO R. HADDAD
Há um consenso entre muitos analistas da atual situação socioeconômica do Brasil de que, em momentos de crise, as ideias importam e são poderosas. Elas têm a capacidade de dar substância histórica à diversidade dos interesses dos diferentes grupos sociais em termos de ações programáticas. Elas são capazes de determinar a forma e o conteúdo das instituições que formulam e definem a trajetória histórica de um país, de suas regiões e classes sociais. Ideias devem ser avaliadas pela sua capacidade de transformação, a partir de seus objetivos propostos e efeitos inesperados.
A Amazônia, felizmente, dispõe hoje de um conjunto de informações e de conhecimentos resultantes de pesquisas, estudos, debates e controvérsias que fornecem diretrizes gerais. Mas, planejar é preciso. A Amazônia está vivenciando uma crise ambiental que é, simultaneamente, uma crise social. Embora destaque maior seja para os aspectos ambientais, com ênfase na questão climática, a Amazônia Legal está passando por profunda crise social, com cerca de 10% da população subsistindo na extrema pobreza, com a volta da fome e da miséria entre os seus 38 milhões de habitantes.
No meu último livro, a partir das experiências multifacetadas de 40 anos de consultoria na elaboração de programas e projetos de desenvolvimento na Amazônia, apresento o passo a passo para implementar três programas estratégicos visando a superar de forma integrada a crise social e a crise ambiental, os quais se somariam às ações programáticas que o governo federal vem implantando na região. São Programas sobre os quais a sociedade brasileira, sem depender da imprevisibilidade e dos condicionantes das decisões públicas ou privadas do exterior, tem condições de controle político-institucional em todas as suas etapas.
Um programa é o da concepção e da implementação de um ciclo de expansão econômica da Amazônia Legal, tal como proposto pelo saudoso Ministro e Professor Alysson Paolinelli como Presidente do Instituto Forum do Futuro. Trata-se da Implantação na Região do “Terceiro Salto Científico e Tecnológico da Agropecuária Brasileira” tendo como objetivo a produção para a Humanidade de alimentos saudáveis, sustentáveis e resistentes às mudanças climáticas, concebidos pelo sistema de pesquisas agropecuárias coordenado pelo Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa).
A partir dos aumentos de produtividade do Terceiro Salto, as inovações schumpeterianas permitem dobrar a produção de proteína vegetal e de proteína animal sem derrubar uma árvore sequer. A proposta prevê uma logística de transporte de saída pelo Pacífico através do Peru para ter acesso aos mercados crescentes de consumo de alimentos no Sudeste Asiático.
O segundo programa analisa detalhadamente como promover o desenvolvimento das 300 a 400 aglomerações produtivas de micro e pequenas empresas na Amazônia Legal, a partir do modelo de desenvolvimento dos Distritos Industriais da Terceira Itália. No Brasil, há duas décadas que o Sebrae migrou essa metodologia para o Brasil e vem promovendo, ora com sucesso ora sem sucesso, centenas de Arranjos Produtivos Locais em todas as unidades da Federação, que vão desde as aglomerações de catadores de caranguejo no Delta do Parnaíba até as aglomerações de spin-offs das universidades no programa Brasília Digital.
E o terceiro programa se refere à estruturação de um sistema de promoção industrial das imensas oportunidades de projetos de investimentos de Bioeconomia na Região. O Programa detalha como elaborar a implantação de dois centros industriais especializados em Manaus e Belém, um sistema de incentivos fiscais e financeiros compatível com a estabilidade monetária, a metodologia de elaboração de pré-projetos a serem promovidos, a organização institucional do Programa, etc. As referências para a sua concepção vêm, principalmente, das experiências bem sucedidas de promoção industrial dos Estados de Minas e do Ceará.
Enfim, precisamos superar o otimismo ingênuo de soluções fáceis para a “questão amazônica” as quais superestimam o poder transformador da “vontade política”, o que lembra a figura do Dr. Pangloss, personagem de Voltaire, que, no livro Candide (1759), afirmava que vivemos no melhor dos mundos possíveis (“tout va pour le mieux dans le meilleur des mondes”) e que “está provado que as coisas não podem ser diferentes do que são, desde que uma coisa foi feita para o melhor propósito”.
PAULO R. HADDAD, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento
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