Bernardo Arévalo, eleito presidente da Guatemala no domingo, rompeu o longo predomínio da classe política tradicional daquele país, com 58% dos votos. A ex-primeira-dama Sandra Torres, sua adversária, perdeu a disputa pela terceira vez consecutiva, com 37% dos votos. Arevalo é um presidente progressista, eleito com a bandeira da mudança, por um eleitorado insatisfeito com a deterioração das instituições políticas e o autoritarismo do governo guatemalteco.
No Equador, numa das eleições mais violentas de sua história, Luísa González e Daniel Noboa vão disputar o segundo turno das eleições, em 15 de outubro. González era favorita nas pesquisas, liderou a disputa entre os oito candidatos, com 33% dos votos. É a candidata apoiada pelo ex-presidente esquerdista Rafael Correa (2007-2017), um dos principais aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na América do Sul. Noboa, com 24%, foi a grande surpresa do primeiro turno. É filho de Álvaro Noboa, que perdeu para Correa em 2006.
No caso do Equador, a disputa para substituir o atual presidente Guillermo Lasso teve como pano de fundo a espiral de violência que tomou conta do país, ao lado dos problemas econômicos, que são graves. Quito e outras cidades do país são entrepostos para envio de drogas para a Europa. Foi uma campanha traumatizada pelo assassinato de Fernando Villavicencio, executado por traficantes colombianos que denunciara. Christian Zurita, que o substituiu, foi o terceiro mais votado, com 16% dos votos. Seu apoio a um dos candidatos pode decidir a eleição.
Equador e Guatemala vivem os mesmos problemas da maioria dos países da América espanhola. Muita corrupção, avanço do tráfico de drogas, crise econômica e uma polarização direita versus esquerda, que coleciona fracassos de ambas as partes, quando no poder. A globalização teve grande impacto nesses países, que agora são palco de uma guerra comercial entre os Estados Unidos e a China. Manteve-se o atraso econômico, e as desigualdades aumentaram; o neoliberalismo fracassou nesses países, mas o velho nacionalismo também não oferece as respostas adequadas.
Esse é um problema para a esquerda latino-americana, que capitaliza a insatisfação das camadas populares com a globalização, mas é incapaz de dar oferecer saídas exequíveis aos novos problemas. A esquerda é prisioneira de paradigmas ultrapassados, entre os quais o antiamericanismo, cujos eixos principais são a Revolução Cubana e o bolivarianismo da Venezuela. Um olhar sobre o Chile de Salvador Allende, que completa 50 anos do golpe do general Augusto Pinochet, pode lançar luzes para sua renovação.
Salvador Allende valorizava o processo democrático e sabia da necessidade de construir consensos. Enfrentou, simultaneamente, uma oposição reacionária e as contradições de seu próprio governo, dividido entre forças de esquerda moderadas e radicais. A esquerda no poder via a garantia de liberdade, o respeito às instituições republicanas e o império da lei como um instrumento de conquista de poder e não um fim em si mesmo. Passado meio século daquele momento difícil, esses princípios ainda se mostram valorosos.
Políticos ganham e perdem eleições; candidatos de visões antagônicas podem ascender ao poder, desde que obtenham o respaldo das urnas. Mas, no pêndulo ideológico que tem definido a história latino-americana nas últimas décadas, os raros períodos virtuosos foram marcados por governantes que prezaram a estabilidade política, a obediência à norma constitucional e um modelo econômico que atraia investimentos e diminua a profunda desigualdade social. Isso é que se espera dos vencedores do voto popular, independentemente do viés ideológico.
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