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América Latina

Artigo: Concurso de bizarrices

. Tudo falhou na América Latina, rica em matérias-primas, condição básica para enriquecer gerações, mas produziu extrema pobreza, que teima em se alargar

PRI-2108-OPINI_2 -  (crédito: Maurenilson Freire)
PRI-2108-OPINI_2 - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 21/08/2023 06:00

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF

Brasil e Argentina disputam, na área da política, um campeonato de bizarrices, que envolve personagens estranhos, patéticos, ladrões, advogados cínicos, militares perplexos, contrabandistas amadores e economistas devastados pela absoluta desesperança. Tudo falhou na América Latina, rica em matérias-primas, condição básica para enriquecer gerações, mas produziu extrema pobreza, que teima em se alargar. Nem Gabriel Garcia Marques, com seu brilhante realismo fantástico, seria capaz de criar algo tão complexo e surreal semelhante ao que ocorre nestes países do hemisfério sul.

O candidato a presidente da Argentina, Javier Milei, que venceu as primárias, se autodefine como anarcocapitalista e libertário, ou seja, é favorável a liberdade completa, econômica ou moral. Se vencer as eleições para presidência, suas principais propostas são: reduzir muito a presença do Estado na vida das pessoas, o que lhes daria liberdade para escolher utilizar peso ou dólar, para portar e negociar armas, casar-se com pessoa do mesmo sexo e até vender órgãos humanos.

No setor da economia, Milei, economista de formação, ataca um assunto do cotidiano dos argentinos que convivem com inflação de 115% ao ano e com o dólar que está chegando a 800 pesos no câmbio negro. Em meio ao desencanto da população, o libertário surgiu com propostas radicais: dolarizar a economia e acabar com o Banco Central. Ele venceu as Paso (Primarias Abertas, Simultâneas e Obrigatórias) com 30% dos votos. A coalizão oposicionista Juntos pela Mudança, de Patricia Bullrich, teve 28%, e a governista União pela Pátria, de Sergio Massa, obteve 27%.

Ele entende que o problema da inflação reside no Banco Central Argentino, que não para de emitir moeda. Sem ele, os argentinos vão, naturalmente, operar com o dólar. Pretende reduzir de 20 para oito o número de ministérios. E na política externa também é radical: pretende interromper os laços com a China e sair do Mercosul. Ele esclareceu suas ideias no livro que publicou denominado “El fin de la Inflacion”, com 184 páginas, onde ele explica suas ideias e a proposta de dinamitar o Banco Central Argentino. Naturalmente, ele é contra o que chama de "casta política", ou seja, os políticos em geral. Mas também propõe corte dos impostos, reformas fiscais, trabalhistas e previdenciária.

A Argentina foi a sexta economia do mundo. Tinha PIB per capita superior ao da França ou da Alemanha. Nos anos 20, sua frota de automóveis era a segunda do mundo, perdia apenas para a dos Estados Unidos. O metrô de Buenos Aires foi inaugurado em 1913. É o primeiro da América Latina. Mas tudo isso é passado. Há pelo menos 50 anos, o país vive uma decadência sem fim. Hoje é, apenas um terço da economia brasileira.

A Argentina foi inventada, em termos capitalistas, pelo navio frigorífico. Quando os navios começaram a transportar bens congelados os europeus puderam se deliciar com a magnífica carne argentina. Os campos gerais também produzem milhares de toneladas de grãos. A Argentina exporta petróleo há muito mais tempo que o Brasil. E tem uma população alfabetizada. Como disse o presidente Alberto Fernandez, recentemente, eles vieram dos navios que vinham da Europa. Mataram os índios. Tudo isso junto resultou num magnífico e estrondoso desastre. Esse estranho candidato a presidente é um retrato do país atual.

Mas o Brasil não fica atrás nesta disputa de bizarrices. A deputada Carla Zambelli (PL-SP), candidata única ao prêmio de maluquete do ano, foi identificada pelo hacker Walter Delgatti como sendo a pessoa que fez contato e pagou para que ele violasse a correspondência digital de mais de 170 parlamentares e entrasse no site do Conselho Nacional de Justiça. A deputada o levou ao presidente Bolsonaro que o encarregou de tentar violar uma urna eletrônica. Ele também desmoralizou a Operação Lava-Jato.

O hacker, muito habilidoso, chegou a produzir uma ordem de prisão falsa contra o ministro Alexandre de Moraes. Ao lado disso, ocorriam estranhas transações dos militares da Presidência da República, com casas de leilão nos Estados Unidos, para a venda de joias recebidas pelo presidente brasileiro. Há também um advogado que muda sua narrativa a cada 24 horas e viajou para Flórida com objetivo de recomprar um relógio valioso que deveria ser devolvido ao Tribunal de Contas União. Difícil apontar o vencedor do concurso de surrealismo. Brasil e Argentina constituem o pano de fundo fantástico para o desenrolar das mais estranhas criaturas na política dos países. Aqui, realmente Aureliano Buendia faz 32 revoluções e perde todas.

PS: Aureliano Buendia é personagem de Cem Anos de Solidão, de Gabriel Garcia Marques, prêmio Nobel de Literatura.

ANDRÉ GUSTAVO STUMPF, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)

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