O destino foi cruel com Valderia. Policial civil lotada na Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher (Deam 2), a agente dedicou sua vida a proteger as vítimas de violência por questões de gênero. No seu ofício, testemunhou diversos casos de agressões, abusos e mortes covardes pelas mãos de homens que não respeitavam o sexo feminino, tratando suas companheiras como objetos sobre os quais detinham posse e um inescrupuloso pensamento de exercer direitos sobre elas. Lutou contra essa cultura machista e tóxica. Combatia o mal, utilizando a lei. E ajudou muitas mulheres a escapar desse ciclo cruel.
No ambiente doméstico, entretanto, Valderia não obteve êxito. Ela própria não estava protegida desse mal e se tornou a 23ª vítima de feminicídio do Distrito Federal em 2023 — já são 24 no total deste ano. A servidora pública foi morta, dentro de casa, com 64 facadas, pelo ex-marido Leandro. O corpo sem vida foi encontrado pelo filho de 24 anos, que chorou como tantos outros órfãos de mães aniquiladas por quem um dia lhes jurou amor.
Valderia acreditava estar imune a esse padecimento que acompanhava diariamente no exercício de sua função policial? Não dá para julgar se ela se considerava mais forte que as outras. Mas, certamente, poderia pensar que seu distintivo e o fato de ter porte de arma pudessem intimidar um agressor. Se refletiu dessa forma, infelizmente, estava errada. O assassinato qualificado de uma policial civil comprova que a violência contra a mulher nem sempre é uma prerrogativa de fragilidade — ainda que, na maioria dos casos, atinja vítimas em situação de maior vulnerabilidade social.
Levantamento da Secretaria de Segurança do DF aponta que 77% dessas vidas femininas perdidas desde 2015 eram de negras que viviam na periferia. Porém, Leandro — morto dias depois em confronto com a polícia — demonstrou que nenhuma mulher está livre de ser morta. Há, também, os 33%. Mais que isso: ao assassinar brutalmente uma policial civil, defensora dos direitos femininos e combatente dos crimes violentos contra o gênero, ele deixa a mensagem de que os alvos dos feminicidas são todas elas, independentemente da cor da pele, da classe social e da posição que ocupam.
Basta lembrarmos que, 30 anos atrás, o Brasil chorou e se revoltou com a morte de Daniella Perez, uma jovem de 22 anos, moradora da zona sul do Rio de Janeiro, atriz de televisão, filha da autora da novela. A cultura masculina doentia de pertencimento e poder alcança todas as esferas da sociedade e não enxerga limites. E só há uma forma de combate: a união de todos e todas em nome do fim dessa barbárie.
Em briga de marido e mulher, mete-se, sim, a colher. Do acolhimento, da proteção, da informação, da lei e da justiça. Não fechemos os olhos e nem cruzemos os braços. Todas são alvo, sem exceção.
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