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Artigo: Luto entre os quilombolas

Filho suspeita que Mãe Bernadete, líder do quilombo Pitanga dos Palmares, foi assassinada por não ceder à pressão dos especuladores imobiliários

Mãe Bernadete foi assassinada a tiros em agosto: ameaças constantes -  (crédito: Reprodução/Redes Sociais)
Mãe Bernadete foi assassinada a tiros em agosto: ameaças constantes - (crédito: Reprodução/Redes Sociais)
postado em 19/08/2023 06:00 / atualizado em 19/08/2023 17:12

As comunidades remanescentes de diferentes povos africanos, reconhecidas como quilombolas, têm sido desprezadas, assim como os indígenas. Entram e saem governos e o mandamento constitucional, que garante a demarcação das terras que ocupam, não é respeitado. Nos últimos 10 anos, pelo menos 30 líderes quilombolas foram mortos, por resistirem à pressão de especuladores ou de latifundiários que ambicionam as terras que ocupam. É assim com os indígenas, estejam eles em áreas demarcadas, ou não.

Nesta quinta-feira, a líder da comunidade Pitanga de Palmares, na Bahia, Bernadete Pacífico, 72 anos, foi executada com 14 tiros, em casa, por dois homens de capacete, ainda não identificados. Jurandir, filho de Mãe Bernadete, como ela era conhecida, por ser uma ialorixá (dirigente de uma casa de candomblé), atribui o assassinato à especulação imobiliária. Segundo ele, a mãe havia recebido várias ameaças. Em 2017, o irmão Flávio Gabriel Pacífico foi morto diante da escola da mesma comunidade. Ambos os casos serão investigados pela Polícia Federal.

Os quilombolas somam 1.327.802 pessoas, ou 0,65% da população brasileira, espalhadas por 1.696 municípios, segundo o Censo de 2022. Depois da Bahia, onde vivem 397.059 quilombolas (29,90% da população recenseada) e o Maranhão, com 269.074 pessoas, Minas Gerais tem a terceira maior população de remanescentes dos quilombos — 135.310 pessoas, distribuídas em 392 comunidades oficialmente reconhecidas. Desde a Constituição de 1988,o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) titulou menos de 60 quilombos, dos 3 mil existentes no país, de acordo com levantamento da Fundação Palmares, que não tem a atribuição de regularizar os territórios. Nos cálculos de especialistas, mantido o atual ritmo de identificação e titulação dos territórios, provavelmente, o Brasil levará 2.188 anos para concluir a legalização dessas áreas.

Os quilombolas, bem como os povos originários, vivem da produção agropecuária. Mas, como os indígenas, têm relevante importância na preservação do patrimônio ambiental. Esse costume tem estreita relação com a afrorreligiosidade praticada pelos afrodescendentes. Os cuidados com a flora e com as nascentes fazem parte das tradições desses povos. Preservar a natureza vai além dos conceitos de sustentabilidade ambiental. É uma expressão religiosa, legada pelos seus ancestrais.

A morosidade do poder público em questões de interesse dos indígenas e dos negros é, entre tantas outras, uma manifestação de desprezo e desrespeito a esses segmentos da sociedade. Favorece aos conflitos, que resultam em perdas de vidas e prejuízos aos dois grupos, que não contam com influentes representantes nos espaços de poder político.

Intolerância e racismo andam juntos no Brasil — e alimentam-se mutuamente. Desde o início do século 16, quando chegaram os primeiras grupos de negros sequestrados, para serem escravos nas terras Santa Cruz, que a sociedade brasileira estabeleceu uma divisão desumana entre pretos e brancos. Os negros eram, na concepção dos cristãos, indivíduos sem alma, sem sentimento e, portanto, não eram humanos, mas, sim, as criaturas inferiores em relação aos eurocentristas. Esse entendimento ainda prevalece em diferentes camadas da sociedade, o que explica as renitentes e cruéis expressões de racismo, em pleno século 21. Explicam também o descuido das instâncias de poder com essas parcelas sociedade.

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