Mariana Luz e Naercio Menezes Filho
Iniciamos este segundo semestre com a sanção, pela Presidência da República, da Lei nº 14.617, que instituiu agosto como o Mês da Primeira Infância. A lei reforça a importância da atenção integral às gestantes e às crianças de até seis anos de idade e suas famílias, a necessidade de repactuar prioridades e organizar frentes de apoio necessárias para endereçá-las. Essa é uma medida fundamental para lembrar a todos que, como país, não estamos conseguindo garantir o básico que as crianças precisam para se desenvolverem integralmente.
Muitas delas continuam sob ameaça da fome; parte delas está fora da escola e enfrenta dificuldades na saúde, com aumento da mortalidade infantil e queda na vacinação. A depender do endereço, da cor da pele e da renda familiar, os riscos aumentam e podem comprometer o destino de uma criança.
Na pandemia, a fome voltou aos lares brasileiros e ainda permanece em uma parte deles. A insegurança alimentar subiu de 22,9% em 2013 para 58,9% em 2022. Um em cada três domicílios com crianças pequenas convivem com o risco da fome. Dados de 2021, mostram que uma em cada dez crianças de zero a seis anos (2,3 milhões) viviam em famílias sem renda suficiente para suprir as necessidades de calorias diárias.
As crianças negras são as mais afetadas. Entre os domicílios compostos por famílias pretas com crianças de até 5 anos de idade, 58,3% enfrentam algum grau de insegurança alimentar; o número vai a 51,2% para as famílias pardas e cai para 40% nos lares compostos de famílias brancas.
Depois do fim do isolamento, muitas crianças não voltaram à escola e muitas das que chegaram à idade de serem matriculadas, não o foram. A estimativa é que 450 mil crianças não estejam frequentando a educação infantil. Esse é um panorama preocupante, principalmente quando se trata de crianças que vivem abaixo da linha da pobreza.
Para elas, a escola desempenha um papel triplo de proteção. Primeiro porque é o local que fornece o ambiente e os estímulos adequados para seu desenvolvimento integral. Segundo, porque garante às crianças a variedade nutricional que muitas não possuem em casa. Por fim, a escola também atua como um espaço de denúncia e acolhimento em situações que podem ter impacto negativo no desenvolvimento, como a violência em alguns casos. Na área da saúde, a mortalidade infantil se mantém alta em algumas áreas e revela a necessidade de ampliação da atenção primária à população de baixa renda na estratégia Saúde da Família. A média brasileira de mortes por 1000 nascidos vivos é de 13,3, enquanto a de países desenvolvidos é de 3. As diferenças regionais também chamam atenção. A taxa de mortalidade infantil nas regiões Norte e Nordeste, de 16,9 e 15,3 respectivamente, é superior às demais.
A sanção de agosto como Mês da Primeira Infância ocorre no momento em que os novos governos — federal e estaduais — estão elaborando o planejamento orçamentário para os próximos quatro anos, os Planos Plurianuais (PPA). Eles são o ponto de partida das políticas públicas voltadas à primeira infância. Saúde, educação, assistência social e a área de planejamento podem fazer uso das suas estruturas para colocar em dia a atenção primária em saúde, o estado nutricional das crianças e o retorno à escola para as crianças que saíram, sempre com a primeira infância no orçamento.
Não podemos deixar que o CEP, a cor da pele e a renda familiar se transformem numa sentença para a criança. Vamos trabalhar juntos para garantir que cada uma e todas elas tenham seus direitos assegurados. A criança é uma prioridade de todos e cada dia é muito tempo para quem tem fome.
MARIANA LUZ, CEO da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, Young Global Leader do Fórum Econômico Mundial e presidente do Conselho do Instituto Escolhas
NAERCIO MENEZES FILHO, Professor titular da Cátedra Ruth Cardoso do Insper, professor associado da Universidade de São Paulo (USP) e membro da Academia Brasil. Coordena o Comitê Científico do Núcleo Ciência pela Infância (NCPI)
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