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ENERGIA

Artigo: Hidrogênio e agricultura, uma combinação virtuosa

Embora as rotas tecnológicas para produção de hidrogênio verde ainda estejam em consolidação, a pressão pela descarbonização da economia impulsionará investimentos em sua produção

Embora as rotas tecnológicas para produção de hidrogênio verde ainda estejam em consolidação, a pressão pela descarbonização da economia impulsionará investimentos em sua produção
 -  (crédito: Maurenilson Freire)
Embora as rotas tecnológicas para produção de hidrogênio verde ainda estejam em consolidação, a pressão pela descarbonização da economia impulsionará investimentos em sua produção - (crédito: Maurenilson Freire)
postado em 13/08/2023 06:00

Ao se discutir alternativas energéticas para um futuro sustentável, o hidrogênio (H), que é o elemento químico mais abundante no universo, é a opção mais lembrada. Comparado aos combustíveis convencionais, o hidrogênio possui o maior conteúdo de energia por unidade de peso — três vezes maior do que a gasolina, com a vantagem de não produzir emissões poluentes. No entanto, e apesar de sua abundância, o hidrogênio só é encontrado na natureza em combinação a outros elementos, como na água (combinado ao oxigênio) ou em hidrocarbonetos (combinado ao carbono), o que torna a sua obtenção complexa, cara e frequentemente impactante para o meio ambiente.

Atualmente, a maior parte do hidrogênio é produzida a partir de combustíveis fósseis, conhecido como "hidrogênio cinza", resultando em altas emissões de CO2. O hidrogênio verde, proveniente de fontes renováveis, é livre de carbono e está em destaque no mercado energético, com vários países anunciando planos de descarbonização e transição energética que incluem esse recurso. Embora as rotas tecnológicas para produção de hidrogênio verde ainda estejam em consolidação, a pressão pela descarbonização da economia impulsionará investimentos em sua produção.

O potencial brasileiro para a produção de hidrogênio verde é incalculável, pois o país possui fontes energéticas abundantes, como eólica e solar, que permitem a obtenção desse recurso por meio da eletrólise da água. Além disso, outras rotas renováveis promissoras, como hidroeletricidade, pirólise, gaseificação e biodigestão de biomassa, também podem ser exploradas. O hidrogênio derivado de biomassa ou biocombustíveis pode ser "esverdeado", na medida em que as emissões de carbono e os seus impactos sobre os recursos naturais se tornem nulos ou negativos.

Embora se discuta uma possível revolução do hidrogênio no setor de transporte, o Brasil já dispõe de alternativas concretas de baixa emissão para o transporte terrestre, como o etanol, biodiesel e biometano, graças à nossa matriz energética baseada em fontes renováveis. Assim, investir prioritariamente em infraestrutura e tecnologias para adoção do hidrogênio no transporte terrestre pode não ser a escolha mais eficiente e coerente para o Brasil, pelo menos no curto e médio prazo.

Entretanto, a participação do hidrogênio na produção de fertilizantes é uma perspectiva que merece atenção especial. A agricultura brasileira é uma das maiores do mundo, mas ainda depende fortemente da importação de insumos, cuja demanda crescerá com a expansão do setor. A fabricação de fertilizantes nitrogenados, essenciais para a nutrição das lavouras, é intensiva em energia e dependente de combustíveis fósseis, contribuindo significativamente para as emissões de gases de efeito estufa. O Brasil importa cerca de 75% do fertilizante nitrogenado necessário, cujos preços estão atrelados aos do gás natural, o que limita a previsibilidade para esse insumo crítico.

É verdade que cada vez mais vozes se levantam contra o uso intensivo de nitrogênio na agricultura, em razão de seus impactos ambientais negativos, principalmente poluição do ar e da água. A fertilização orgânica e a fixação biológica do nitrogênio são alternativas importantes que devem ser estimuladas, por promoverem a circularidade e a redução das emissões de gases de efeito estufa. No entanto, uma análise pragmática indica que tais alternativas irão levar tempo para se viabilizarem na ampla gama de sistemas produtivos que prevalecem no país. E com manejo adequado, muitos dos males causados pelo nitrogênio podem ser prevenidos.

Nesse contexto, a amônia verde, derivada do hidrogênio, surge como uma alternativa promissora para transformar essa realidade, reduzindo a pegada de carbono na agricultura. A síntese da amônia (NH3), base para a produção de fertilizantes nitrogenados, envolve a combinação de nitrogênio, amplamente disponível na atmosfera, com hidrogênio (H2) em processo realizado com energia de fontes fósseis. Ao utilizar hidrogênio renovável na produção de amônia verde, com posterior conversão a fertilizantes nitrogenados, torna-se possível obter no Brasil, de forma sustentável, um insumo essencial, com enorme ganho de autonomia para a nossa agricultura.

A amônia verde pode aumentar a eficiência ambiental na produção dos nossos biocombustíveis. Por exemplo, ao produzir cana-de-açúcar e milho para a fabricação de etanol, são utilizadas grandes quantidades de fertilizantes nitrogenados, responsáveis pela maior proporção das emissões durante a fase agrícola do ciclo de vida deste biocombustível. Com a amônia verde, é possível reduzir as emissões na produção de biomassa para fabricação de biocombustíveis, tornando-os ainda mais vantajosos do ponto de vista ambiental.

O fato é que o Brasil precisa considerar suas próprias necessidades e potenciais, priorizando caminhos mais adequados ao contexto e interesses nacionais. Ao priorizar a economia do hidrogênio com foco em necessidades estratégicas, o país poderá avançar na descarbonização da sua agricultura de maneira autônoma e sustentável. Dessa forma, o Brasil terá a chance de se posicionar como líder nessa área, impulsionando o desenvolvimento tecnológico, criando empregos, agregando valor à economia e fortalecendo sua posição como líder global na produção sustentável de alimentos.

BRUNO GALVEAS LAVIOLA, chefe adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento (P&D)

MAURÍCIO ANTÔNIO LOPES, pesquisador da Embrapa Agroenergia

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