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Visão do Correio

Artigo: Reparação com um século de atraso

Arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte revoga documento de 1923, que proibia a realização da festa de "Reinado", uma tradição herdada dos antepassados de negros sequestrados e explorados de foma de desumana pelos colonizadores

Revellers participate in the traditional festival of the Reinado of Our Lady of the Rosary, St. Efigenia and St. Benedict, through the historic streets of Ouro Preto, Brazil, on January 12, 2020. Through singing, dancing and drumming, the festival honours Chico Rei, a slave brought from Africa who bought his freedom and that of other slaves to become part of the Brazilian folklore. / AFP / DOUGLAS MAGNO -  (crédito: DOUGLAS MAGNO)
Revellers participate in the traditional festival of the Reinado of Our Lady of the Rosary, St. Efigenia and St. Benedict, through the historic streets of Ouro Preto, Brazil, on January 12, 2020. Through singing, dancing and drumming, the festival honours Chico Rei, a slave brought from Africa who bought his freedom and that of other slaves to become part of the Brazilian folklore. / AFP / DOUGLAS MAGNO - (crédito: DOUGLAS MAGNO)
postado em 12/08/2023 06:00 / atualizado em 12/08/2023 13:56

Passados 100 anos, o arcebispo Metropolitano de Belo Horizonte, dom Walmor Oliveira de Azevedo, revogou, nesta quinta-feira, o Aviso nº 5, de 10 de agosto de 1923, assinado pelo reverendíssimo padre João Rodrigues de Oliveira. O documento proibia a realização da festa de "Reinado", uma tradição herdada dos antepassados de negros sequestrados e explorados de foma de desumana pelos colonizadores. O documento revogatório é denominado "reparação histórica". Desde o fim abolição, a única reparação foi a instituição das cotas raciais, para o acesso de negros ao ensino superior. Ainda hoje, pretos e pardos são alvo do racismo e da discriminação escancarados.

Essa não é a primeira vez que o episcopado reconhece e revisa as iniciativas preconceituosas da Igreja. No centenário da Lei Áurea, em 1988, a Igreja Católica fez uma mea culpa, por meio da Campanha Fraternidade, uma ação anual sobre os mais diferentes temas, com prioridade para os que afetam a vida dos menos favorecidos. Naquele ano, a iniciativa teve como lema "Ouvi o clamor deste povo", por meio do tema "Fraternidade e o Negro". Foi também uma tentativa de reparação histórica, uma vez que as autoridades católicas, que chegaram ao Brasil, descoberto por Pedro Álvares Cabral, concordavam com a exploração a mão de obra dos negros sequestrados de países africanos. Naquele momento, os africanos eram considerados seres sem alma e sem sentimento. Portanto, diante dessa condição, suprimir a liberdade daqueles indivíduos de pele preta não seria pecado.

Hoje, o clero reconhece que o povo negro tem sido vítima das mais diferentes formas de agressão. Admite também que os afro-brasileiros têm cultura e liberdade religiosa. Nenhum desses elementos colidem com o cristianismo. Pelo contrário, ao longo da história, os negros, seja por estratégia, seja por devoção às divindades católicas, não têm desrespeitado a fé cristã. Em contrapartida, são importunados e têm seus templos violentados e vandalizados por correntes evangélicas fundamentalistas. 


O poder público, por sua vez, se mostra inerte na defesa dos direitos de pretos e pardos. As mudanças até agora ocorridas têm sido ineficazes para garantir equidade étnica-racial no país. A falta de letramento racial, resultado de falhas no processo educacional, em todas as fases, o racismo é fortalecido. Isso ocorre inclusive na estrutura dos órgãos de Estado, que tratam discricionariamente os pretos e pardos, como se fossem párias das sociedade.

Mas diante dos movimentos contra o racismo, principalmente pelos danos que ele causa à sociedade, as autoridades do poder público, católicas e de outras confissão de fé deveriam puxar uma campanha de educação dos cidadãos e dos fiéis para que haja respeito aos legados culturais e religiosos dos antepassados dos afrodescendente. Passou-se de hora de romper com epistemicídio, e recuperar os saberes ancestrais presentes nos tecidos demográfico e cultural do país.

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