Está em discussão no Supremo Tribunal Federal (STF) a descriminalização do uso da maconha. Enquanto o Poder Judiciário tende a ser permissivo ao porte e ao consumo da substância entorpecente, coloco em evidência uma droga que é lícita e tem consequências nefastas na nossa sociedade, o álcool. Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2019, 63% dos jovens entre 13 e 17 anos haviam experimentado bebidas alcoólicas. Destes, 47% revelaram episódios de embriaguez.
A consequência do consumo abusivo do álcool na adolescência é a reiteração que se perfaz na fase adulta. Daí surgem riscos à saúde, como problemas hepáticos, cardíacos e até cerebrais. Quantos efeitos nocivos são descritos após a ingestão de álcool na direção de veículos automotores. Quantas mulheres são espancadas ou mortas pela mesma causa. Já na esfera individual, a embriaguez produz consequências imensuráveis: a perda dos sentidos, impossibilidade de negar ou consentir, e a suscetibilidade aos algozes.
Na madrugada do dia 29/7, uma jovem de 22 anos foi estuprada, após sair de um show na cidade de Belo Horizonte. As imagens captadas pelas câmeras da capital mineira são estarrecedoras. Após desfalecer pela ingestão de álcool, a mulher foi deixada em frente à sua residência, local em que o motorista de aplicativo tenta em vão contato com seus familiares. O prestador do serviço escora a mulher em um poste de iluminação e, em seguida, dirige-se a outro destino. Nos minutos seguintes, o abusador aproxima-se, põe a moça nas costas, caminha por um longo trecho e entra com a vítima em um campo de futebol. Após a violência sexual, o suspeito a abandonou indefesa e evadiu-se do local do crime.
O Código Penal descreve em seu artigo 217-A, a condição de vulnerável para a vítima em testilha, ou seja, pelo estado em que ela se encontrava a jovem não podia oferecer resistência. Com sanção de oito a 15 anos, é um tipo penal especial ao crime de estupro. Quanto ao autor, não tecerei narrativas, mas entendo que todos que subjugam pessoas a seus prazeres aproveitando-se da violência ou de suas fragilidades, afastam-se dos padrões toleráveis de conviver em comunidade, devendo ser encarcerados e tratados.
Em relação às vítimas, entendo que, nos crimes contra a dignidade sexual, há dois momentos em suas vidas o qual passo descrever como antes e depois do fato. O epílogo é irremediável e devastador, mas é no prelúdio que passo a analisar. Retomando ao fato descrito e com base não só nas imagens, mas também nas informações obtidas pelos familiares da jovem, passei a perquirir os acontecimentos de forma regressiva, a partir dos momentos anteriores ao ilícito.
Poderíamos fazer questionamentos relativo a ações que, se tivessem acontecido, poderiam ter evitado o delito: e se o irmão tivesse atendido o chamado do motorista do aplicativo? E se o mesmo motorista tivesse esperado alguém chegar ao local? E se os amigos tivessem acompanhado a jovem até a sua residência no interior do veículo de aplicativo? O que observo é que todos os sujeitos dessas indagações eram suportes da vítima que foram se afastando no decorrer da madrugada. Caso alguma das inquirições fossem respondidas de forma afirmativa, certamente, o crime não teria acontecido.
Todavia, rechaço a solidariedade quanto às responsabilidades e faço outra pergunta: e se a ofendida não tivesse ingerido a bebida alcoólica? É nesse ponto que finco balizas, o uso de álcool por jovens, uma droga lícita. Trata-se de uma substância que está à disposição de quem se habilite, e não há nenhum controle quanto ao consumo. Adolescentes, adultos e familiares, todos estão sujeitos às consequências do consumo não só excessivo do álcool, mas também do primeiro gole.
O autor do crime descrito encontra-se preso, encarcerado e deverá ser julgado e, provavelmente, condenado, mas essa discussão somente tangencia o direito penal. Estamos falando não somente das consequências do uso do álcool, mas também de tantas outras drogas lícitas e ilícitas que estão batendo à nossa porta. O Estado, seja ele juiz, legislador ou executor, deve estar atento que atuar na repressão é consequência da ausência de políticas públicas pautadas na educação de adolescentes e jovens. É preciso falar e conscientizar a todos sobre o uso excessivo e também sobre os benefícios do não consumo do álcool e outras drogas para a construção de um Brasil menos violento, propiciando uma cultura de paz no trânsito, no ambiente doméstico e no âmbito individual.
Ricardo Nogueira Viana é delegado-chefe da 35ª DP e professor de educação física
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