Formado por pessoas, o Estado tem papel decisivo na vida da população. Mas, não raras vezes, esquecemos de nos perguntar quem são essas pessoas. Importando apenas as grandes decisões no campo político, desconsideramos aqueles que fazem a máquina pública funcionar. Há profissionais que atuam em gabinetes, outros em equipamentos públicos, atendendo diretamente o cidadão para garantir (ou não) o acesso às políticas públicas e, assim, mais qualidade de vida. Lideranças no setor público são imprescindíveis para que a estrutura do Estado brasileiro funcione — o que é uma tarefa complexa em um país com dimensões tão continentais quanto suas desigualdades, caso do Brasil.
Para viabilizar essa transformação, organizamos grupos de trabalhos temáticos, usando como ferramenta o diálogo transparente, indispensável para produzir propostas consistentes, com base nas melhores experiências nacionais e internacionais. É o que propõe o documento Conhecendo as Lideranças Públicas: desafios e oportunidades para ampliação da transparência de dados” elaborado por pesquisadores da FGV CPDOC, Fundação Lemann e Movimento Pessoas à Frente, em que procuramos entender quem são os servidores e lideranças que atuam nos governos estaduais. Buscando informações nas legislações e portais de transparência das 27 unidades federativas do país, a conclusão é que não há informações suficientes sobre o perfil e a trajetória dos responsáveis por conduzir os assuntos públicos.
Nenhum estado brasileiro divulga nos seus portais de transparência informações sobre a escolaridade ou a raça de quem trabalha na administração pública. Apenas um estado disponibiliza informações desagregadas sobre gênero. Somente oito informam sobre quanto tempo o trabalhador está no cargo, o que permite analisar, por exemplo, o grau de rotatividade dos servidores, em especial das lideranças em cargos comissionados, variável essencial para entender os resultados governamentais.
É comprovado pela literatura acadêmica sobre burocracia e pelas experiências ao redor do mundo, que conhecer quem são, quantas são e o perfil das pessoas que ocupam posições no setor público, como raça, gênero, faixa etária e escolaridade, é fundamental tanto para identificar as desigualdades existentes dentro do próprio Estado, quanto para desenhar e implementar estratégias mais efetivas de gestão de pessoas no setor público e, consequentemente, entregar melhores serviços e políticas públicas aos cidadãos.
Sem a existência de dados sobre quem conduz os assuntos públicos, é difícil planejar e executar práticas e processos estruturados de gestão de pessoas, o primeiro passo para o bom funcionamento da máquina estatal. Também é desafiador analisar as desigualdades existentes no funcionalismo e os impactos da representatividade — ou falta dela — no ciclo das políticas públicas. Governos precisam adquirir processos mais efetivos de gestão de pessoas, contribuindo para ampliar o desenvolvimento e retenção desses profissionais, diminuir a rotatividade e aumentar a satisfação dos servidores com suas carreiras, por exemplo.
Na esfera federal, o Brasil tem avançado no que diz respeito a novas práticas de gestão de pessoas no setor público com diversidade e transparência, a exemplo do programa LideraGov desenvolvido pela Enap; a reserva de 30% de vagas de cargos comissionados às pessoas negras e a inclusão de informações sobre raça e etnia nos registros administrativos de funcionários públicos e privados determinada pela Lei 14.553/2023.
Importa observar esse avanço nos estados e municípios, que concentram a maior parte dos serviços de atendimento direto à população. Uma das estratégias que podem ser adotadas e que sinalizamos no documento recém-divulgado é estabelecer ferramentas nacionais para a coleta e divulgação periódica de dados sobre o serviço público. Isso poderia compor um plano nacional de transparência de dados sobre a função pública, com diretrizes, metas e indicadores comuns entre os entes subnacionais. Avançar na disponibilização de mais e de melhores informações públicas significa avançar no fortalecimento do regime democrático brasileiro. Há um longo caminho a se percorrer, mas ele existe e é possível ser trilhado.
JESSIKA MOREIRA, especialista em Gestão Pública e integrante do Movimento Pessoas à Frente
MATHEUS NUNES, mestre em Administração Pública e Governo e coordenador de Conhecimento, Dados e Pesquisa da Fundação Lemann
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