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Diplomacia

Artigo: Kissinger em Brasília

Em 1978, sem pompa e circunstância, ele fez um visita acadêmica, palestrou em evento da Editora UnB, sempre acompanhado pelo professor, editor e depois embaixador Carlos Henrique Cardim. Não falou sobre as guerras

Former Secretary of State Henry Kissinger talks about his viewshis new book
Former Secretary of State Henry Kissinger talks about his viewshis new book "World Order" with Bob Schieffer on "Face the Nation" in Washington, in this picture taken September 3, 2014, courtesy of CBS News. REUTERS/CBS News/Chris Usher/Handout (UNITED STATES - Tags: POLITICS) NO SALES. NO ARCHIVES. FOR EDITORIAL USE ONLY.FOR SALE FOR MARKETING OR ADVERTISING CAMPAIGNS. THIS IMAGE HAS BEEN SUPPLIED BY A THIRD PARTY. IT IS DISTRIBUTED, EXACTLY AS RECEIVED BY REUTERS, AS A SERVICE TO CLIENTS -
JORGE FONTOURA
postado em 05/08/2023 05:00

A recente visita de Henry Kissinger à China, recebido com honras de Estado e a pretexto de comemorar seu centésimo aniversário, passou como fato subdimensionado, ofuscado talvez pela inusitada idade do visitante. Ex-chanceler dos Estados Unidos da guerra fria, Kissinger foi recorrente protagonista de crises internacionais, que começavam e terminavam no ritmo de sua vertiginosa agenda.

Exímio negociador, com o estofo de arguto estudioso da história e da política externa, claramente não era apenas um burocrata a mais. Bem além, esdrúxulo primeiro ministro oficioso, atuava como formulador e aplicador de políticas de estado, no rígido bipolarismo permeado de riscos nucleares, de oposição permanente entre Washington e Moscou.

Agora, a foto de Kissinger centenário em Pequim com Xi Jimping soa estranha, como uma fratura de tempo. De desconstrução da cronologia, a fazer refluir os pretéritos medos da guerra fria que se estimava superada, mas que ressurge insidiosa e agravada. É que avultam contendas de natureza multipolar, imprevisíveis e incontroláveis, com a fragmentação das tantas peri rússias belicosas, com a desunião europeia e com o crescente e inevitável confronto sino americano.

Na outra viagem de Kissinger à China, decerto o contexto era diverso, a levar pela mão o presidente Nixon em impensada visita a Mao Tse Tung. Aproximação lenta, como mandava o confucionismo, a começar pela diplomacia do ping pong, esporte da alma chinesa, com atletas dos Estados Unidos a atuar como agentes de distensão. Em clima de astúcia, minava-se o poderio soviético, em cenário rigidamente dividido: o ocidental e suas democracias e a União Soviética e seus satélites europeus, mais a China e enclaves diversos na Ásia e na África. Limitadas por conflitos locais, no entanto, as duas super potências eram contidas pela certeza de que guerra direta seria mútua destruição nuclear e o suicídio coletivo da humanidade.

Porém, essa abertura histórica não foi único feito de Kissinger. Se bem que muitos lhe atribuem feitos deploráveis de intervenção estrangeira, é certo que atuou, já em parceria com os chineses, nas negociações de Paris para o fim da guerra do Vietnam, bem como na criação de modus vivendi entre Israel e países árabes, o que chegou a prosperar por algum tempo. Curiosamente, vulto da política externa, Kissinger nunca foi político interno. Nascido na Alemanha, o que impedia sua candidatura presidencial, foi guardião das chaves mestras do Pentágono, sempre professor de fundo e forma, conselheiro em off de de todos os partidos. Conhecedor da ascensão e queda das potências hegemônicas, desenvolveu a concepção da paz e da prosperidade como objetivos a serem atingidos pela humanidade, embora de consecução difícil e a longo prazo.

Em 1978, desalojado do poder pelo governo democrata de Jimmy Carter, Kissinger visitou Brasília sem pompa e circunstância. Visita acadêmica, palestrou em evento da Editora UnB, sempre acompanhado pelo professor, editor e depois embaixador Carlos Henrique Cardim. Não falou sobre as guerras. Falou sobre Tocqueville, autor clássico francês e de sua devoção de scholar. Foi academicamente neutro, com prudência e moderação, e sem segredos nos brindou apenas com magnífica aula. Neófito professor, pude privar de conversas de passos perdidos pelo minhocão em férias, a acompanhar o já encanecido conferencista, disponível a ouvir perguntas difíceis e respondê-las com a simplicidade e a nonchalance dos sábios. Ganhei um exemplar de A democracia na América, com data e dedicatória, além da lembrança de memorável jornada.

JORGE FONTOURA, advogado e professor

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