O debate sobre a questão de raça no Brasil ganhou maior peso, popularidade e visibilidade nas semanas após o incidente envolvendo o jovem atleta brasileiro Vini Jr., objeto de ofensas racistas em partidas de futebol na Espanha. Sua reação exemplar — muito divulgada — o tornou, de imediato, uma referência para a juventude afro-brasileira.
Esse problema começa a ser debatido por amplos setores da sociedade, a partir da implementação de políticas de ação afirmativa, com recorte racial no âmbito das universidades públicas estaduais e federais. O marco inicial foi a Lei nº 3708/2001, aprovada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que instituiu uma reserva de vagas para negros (pretos e pardos), ao lado de outros grupos vulnerabilizados, numa sociedade historicamente moldada pelo discurso da "democracia racial".
Os principais argumentos dos adversários das medidas de ação afirmativa eram sua inconstitucionalidade, sua violação à meritocracia, seu efeito negativo sobre o nível acadêmico e, de maneira mais ampla, sobre as relações de raça no Brasil, havendo quem chegasse ao exagero de prever um genocídio semelhante ao que ocorrera em Ruanda. Para setores da esquerda, a mera discussão da questão de raça tinha o potencial de dividir a classe trabalhadora. Subproduto do capitalismo, o racismo desapareceria com o advento de um regime socialista. Todos esses argumentos foram devidamente refutados pelos defensores dessas políticas.
A expressão surgiu pela primeira vez numa medida provisória assinada em 1961 pelo então presidente americano John F. Kennedy, pela qual o governo federal deveria fazer uma "ação afirmativa" em prol da população negra para compensá-la pelos problemas que a afligiam. Por isso, um dos frágeis argumentos apresentados pelos adversários dessa política no Brasil foi o de que era uma coisa de americanos. Na verdade, um sinônimo dessa expressão é discriminação positiva, denominação que abrange políticas visando proporcionar a igualdade de oportunidades a membros de grupos humanos definidos como "historicamente discriminados" ou "tradicionalmente excluídos". Medidas dessa natureza têm sido implementadas em diferentes sociedades em relação a em países como Índia, Malásia, Israel, França, Canadá e a antiga União Soviética, além dos Estados Unidos.
A partir da lei fluminense de 2001, medidas dessa natureza foram adotadas por dezenas de universidades públicas, federais e estaduais, pelo Brasil afora. Dois marcos desse processo são do ano de 2012: a aprovação da Lei nº 12.711, que estende essas medidas a todas as universidades federais, e a decisão unânime do Supremo Tribunal Federal (STF) em favor de sua constitucionalidade. Simultaneamente, alguns Estados e municípios começam a adotar políticas dessa natureza para o ingresso no serviço público, o que alcança o âmbito federal com a Lei 12.290, de 2014.
O impacto mais visível dessas políticas foi o aumento significativo da presença de negros nas universidades públicas. O mais importante, porém, foi obrigar a sociedade brasileira a discutir a questão racial, tradicionalmente rejeitada em nosso debate público, o que nos traz a esperança de que o Brasil possa vir a resolver esse grande problema. Isso se traduz no crescente interesse de nosso jornalismo gráfico e audiovisual por esse tema, o que ganhou força a partir do assassinato do afro-americano George Floyd, fato provocador de intensas reações pelo mundo afora — tal como, agora, os ataques sofridos por Vini Jr.
Isso não significa que o problema esteja resolvido. Enormes desigualdades continuam afligindo a população afro-brasileira em termos de mortalidade infantil, expectativa de vida, rendimentos do trabalho assalariado, além do tratamento que recebe da parte da polícia e do Judiciário. Mas a crescente conscientização da sociedade brasileira, e especialmente dos afrodescendentes, em relação à questão de raça permite-nos vislumbrar, no horizonte distante, o momento que estaremos livres desse doloroso fardo.
CARLOS ALBERTO MEDEIROS, mestre em ciências jurídicas e sociais (UFF) e doutor em história comparada (UFRJ). Autor de Na lei e na raça: legislação e relações raciais, Brasil — Estados Unidos