Nesta quarta-feira, o Supremo Tribunal Federal (STF) tornou inconstitucional o argumento machista e amparado no patriarcalismo de "legítima defesa da honra" para justificar o assassinato de companheiras ou ex. O Brasil é o quinto país mais violento com as mulheres no ranking mundial. No ano passado, ocorreram 1.400 feminicídios, ou seja, a cada seis horas uma mulher foi assassinada.
A decisão do STF ocorreu 47 anos depois da execução da socialite mineira Ângela Diniz, morta com quatro tiros no rosto, disparados pelo empresário Raul Fernando do Amaral Street, o Doca Street, um caso emblemático, que consternou e teve grande repercussão na sociedade brasileira. O crime ocorreu em 30 de dezembro de 1976, em uma mansão na Praia dos Ossos, hoje município de Búzios, no Rio de Janeiro. O motivo foi a decisão de Angela de romper com o relacionamento. O advogado de defesa, Evandro Lins e Silva, alegou e convenceu os jurados que foi um crime "por amor", sob "forte emoção". Condenado a dois anos de prisão, Street respondeu em liberdade.
Assim, o argumento de "legítima defesa da honra" tornou-se escudo para os homicidas de mulheres e para outros crimes passionais contra elas, como o espancamento. Ao tornar a alegação ilegal, por unanimidade, o STF deu uma guinada de 180 graus. Seis anos atrás, a Primeira Turma da Alta Corte concordou com a decisão dos jurados que inocentaram, por 3 a 2, um homem que confessou tentar matar a ex-mulher a facadas, por suspeitar de traição. O atentado ocorreu em maio de 2016, em Nova Era, no Vale do Aço. A mulher sobreviveu.
A ministra Cármen Lúcia acompanhou o voto do relator, ministro Dias Toffoli. Ela afirmou que a tese de legítima defesa da honra é fruto do machismo e da violência de gênero, que aumentou no país. "Uma mulher é violentada a cada quatro minutos. A violência contra a mulher na pandemia aumentou ensandecidamente. Temos que provar que não somos parecidas com humanos, mas somos humanos."
Em seu voto, a ministra disse ainda que "é preciso que isso seja extirpado inteiramente. Mais que uma questão de constitucionalidade, que tem como base a dignidade humana, estamos falando de dignidade no sentido próprio, subjetivo e concreto de uma sociedade que ainda hoje é sexista, machista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser o que elas são: mulheres donas de suas vidas”.
Na mesma linha, a presidente do STF, ministra Rosa Weber, condenou a tese que chancelava a violência dos homens contra as mulheres: “A teoria da legítima defesa da honra traduz expressão de valores de uma sociedade patriarcal, arcaica, autoritária, é preciso enfatizar, cuja cultura do preconceito e da intolerância contra as mulheres sucumbiu à superioridade ética e moral dos princípios humanitários da igualdade, da liberdade e da dignidade da pessoa humana.”
O basta à desigualdade de gênero, que acolhia a violência masculina e depreciava valores e direitos das mulheres, finalmente chegou ao Judiciário. Impõe um ponto final à covardia de quem é, fisicamente, mais forte, mas não superior nem detentor do direito de decidir sobre a vida e a morte de uma mulher.
A supressão da vida feminina não ocorre só por meio das armas, mas quando lhe negam oportunidades de emprego, reduzem a sua remuneração em relação à do homem, quando lhe julgam inferior e incapaz de exercer quaisquer atividades ou a desprezam pela cor da pele ou da origem. Quando essas situações se repetem, falta honra aos que têm poder de decidir.
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