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Cultura

Artigo: Ser Nostálgico

Fico na torcida para que todos os palcos brasilienses — inclusive o do Clube do Choro e o da Concha Acústica — permançam sempre abertos para música de qualidade.

Gilberto Gil e Caetano Veloso
 -  (crédito: Walter Abreu/Divulgação)
Gilberto Gil e Caetano Veloso - (crédito: Walter Abreu/Divulgação)
postado em 01/08/2023 06:01

Em artigo publicado neste espaço, terça-feira última, citei shows de artistas nacionais e internacionais que, por se tornarem marcantes, ficaram guardados na minha memória afetiva, enquanto repórter do Correio Braziliense, ao longo de quase 50 anos de atividade. Retomo o tema e me atenho a alguns dos shows, mais especificamente aos apresentados em Brasília, em diferentes palcos e anos. Embora não possa precisar as datas, como gostaria, ao abordá-los, acredito, sem vaidade, que vou suscitar lembranças de muita gente.

O primeiro que me ocorre é o Refazenda, de Gilberto Gil, até pelo fato de marcar a minha estreia na cobertura de eventos artísticos. Recordo-me de como o eterno tropicalista, ao cantar Não chore mais (versão para No woman no cry, de Bob Marley) mexeu com o sentimento das pessoas, principalmente na parte da letra que dizia: "Amigos presos/ Amigos sumindo assim/ Pra nunca mais...". Não esqueçamos que à época vivíamos sob o jugo da ditadura militar e sabíamos das barbaridades cometidas pelos detentores do poder.

Em 1976, Gil voltou a Brasília na companhia de Caetano Veloso, Maria Bethânia e Gal Costa com o inesquecível espetáculo Doces Bárbaros, que ocupou o Ginásio Nilson Nelson. Os quatro emocionaram o público ao interpretarem clássicos como Esotérico, O seu amor, Pássaro proibido e Um índio. No mesmo local e no mesmo ano, foi a vez de Ney Matogrosso, sempre ousado, empolgar o brasiliense com o Bandido Corazon (nome de uma composição de Rita Lee), show que marcou o início de sua carreira solo, depois de brilhar no Secos & Molhados.

Ainda em 1979, em abril, na antiga Piscina Coberta, Gal Costa, exibiu todo o seu talento, enquanto intérprete, em Gal Tropical, ao passear por repertório que incluiu de Noites cariocas (Jacob do Bandolim e Hermínio Bello de Carvalho) a Estrada do sol (Tom Jobim e Dolores Duran). No mês seguinte, foi a vez de Milton Nascimento se apresentar pela primeira vez na cidade, no Nilson Nelson. Ao revisitar clanções consagradas dos discos históricos Clube da Esquina 1 e 2, Bituca foi ovacionado por 20 mil pessoas.

O 12 de agosto daquele ano, entrou para a história da música popular brasileira. Foi quando Raul Seixas fez, no Nilson Nelson, seu último show, ao participar da segunda edição do Festival Latino-Americano de Arte e Cultura. Dez dias depois, morreria em São Paulo, aos 44 anos.

Igualmente em 1979, em 24 de novembro, Elis Regina, considerada, com inteira justiça, a maior intérprete da MPB, fez um raro e antológico show na cidade e o único, até hoje, realizado no Cine Brasília. Refiro-me ao belíssimo Essa mulher, que trazia no set list canções emblemáticas como Travessia (Milton Nascimento e Fernando Brant), O bêbado e a equilibrista (João Bosco e Aldir Blanc) e Gracias a la vida (Violeta Parra).

Quase 10 anos depois, em junho de 1988, no auge de sua trajetória, a Legião Urbana reuniu mais de 20 mil roqueiros no antigo Estádio Mané Garrincha para assistir a um concerto que não chegou ao final, por conta de tumulto provocado por parte da plateia. Também naquele ano, um encontro de dois artistas gigantescos ocorreu no Teatro Nacional. O projeto Temporadas Populares reuniu na Sala Villa-Lobos Chico Buarque e Pablo Milanez. Os espectadores juntaram as vozes e os acompanharam em Yolanda, canção de autoria do cubano, que ganhou versão do brasileiro. Aquele espaço acolheu também no mesmo ano Que falta você me faz, espetáculo com o qual Maria Bethânia reverenciou o poeta Vinicius de Moraes.

Bom Demais, um barzinho na 706 Norte, foi o ponto de partida para a curta e vitoriosa carreira de Cássia Eller, que, em 1989, cumpriu ali uma longa temporada, com apresentações às quintas-feiras, em que demonstrava versatilidade ao cantar desde composições de Evaldo Braga a criações da turma da Vanguarda Paulistana.

Na década seguinte, mais precisamente em 13 de dezembro de 1995, pela primeira vez na capital, João Gilberto encantou o público, que superlotou a Villa-Lobos, com o há muito aguardado recital de voz e violão. O pai da Bossa Nova, explorou seu canto sussurrante em canções que faziam referência à sua origem, Eu vim da Bahia, Bahia com H e Acontece que eu sou baiano — além, é claro, de Chega de saudade, encantou a plateia.

Tempos depois, no encerramento da 1ª Bienal Internacional do Livro de Brasília, em 30 de abril de 2012, Caetano Veloso que já havia cantado várias vezes em Brasília, fechou a programação do evento com um show de duas horas, na Esplanada dos Ministérios, durante o qual passou em revista sua carreira.

Na década passada, o Estádio Mané Garrincha recebeu grandes nomes da música brasileira e da internacinal. O primeiro foi o ex-Beatles Paul McCartney (23/11/2014) e na sequência Roberto Carlos (11/08/2018), Tribalistas (02/09/2018), Roger Waters (13/10/2018), Sandy e Júnior (20/07/2019) e The Killers (29/10/2022).

O auditório master do Centro de Convenções Ulysses Guimarães tem sido, nas duas últimas décadas, o espaço preferencial para os produçtores musicais. Ali, com frequência, tem ocorrido shows diversos — de Nando Reis a Ringo Star, de Paulinho da Viola a Mercedes Sosa. Fico na torcida para que todos os palcos brasilienses — inclusive o do Clube do Choro e o da Concha Acústica — permançam sempre abertos para música de qualidade.

 


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