Violência

Visão do Correio: Mortes violentas e estupros exigem foco da segurança

ao analisarmos o perfil da violência no Brasil, os dados continuam muito preocupantes, principalmente em relação às mulheres e crianças, por causa dos casos de feminicídios e de estupros, e aos jovens negros e pardos, que formam o maior contingente de vítima

O número de mortes violentas intencionais no Brasil caiu 2,4% em 2022, na comparação com 2021. São homicídios dolosos, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte, intervenções policiais e mortes de policiais. Os dados são do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), divulgados na semana passada. Isso significa uma redução de 24 para 23,4 mortes a cada 100 mil habitantes, em 2021, para 23,4 a cada 100 mil no ano passado. Em números absolutos, as mortes violentas foram reduzidas de 48.431, em 2021, para 47.508 em 2022 - a menor em em 12 anos da série histórica.

É um alento, que surpreendeu positivamente os analistas. Entretanto, ao analisarmos o perfil da violência no Brasil, os dados continuam muito preocupantes, principalmente em relação às mulheres e crianças, por causa dos casos de feminicídios e de estupros, e aos jovens negros e pardos, que formam o maior contingente de vítimas. Para efeito de comparação, o número de mortos por causas intencionais no Brasil é 4,6 vezes maior do que o número de civis que morreram durante um ano de guerra na Ucrânia, que somam 10.368 pessoas, segundo as autoridades ucranianas.

Sudeste (-2%), Norte (-2,7%) e Nordeste (-4,5%) registraram queda no número de mortes. Nas regiões Sul e Centro-oeste, o número cresceu 3,4% e 0,8%, respectivamente. Essa redução, segundo os especialistas, seria uma espécie de acomodação da violência nos estados, depois da explosão provocada pelo PCC e o Comando Vermelho, facções criminosas poderosas de São Paulo e do Rio de Janeiro, respectivamente, que se expandiram para outras regiões.

Amapá foi o estado mais violento do país em 2022, com 50,6 mortes por 100 mil habitantes, mais que o dobro da média nacional. Depois, a Bahia (47,1/100 mil) e Amazonas (38,8/100 mil). São Paulo, com 8,4 mortes por 100 mil habitantes, Santa Catarina (9,1/100 mil) e Distrito Federal (11,3/100 mil) têm as menores taxas de mortes intencionais. O perfil das vítimas mostra que é preciso ajustar bem o foco das políticas de segurança pública. O perfil étnico-racial das vítimas é a face mais brutal do racismo estrutural. Eram negros 76,5% dos que morreram, sendo 83,1% das vítimas em intervenções policiais.

Em média, 91,4% das mortes violentas intencionais vitimaram homens, enquanto 8,6%, mulheres. Já em relação a óbitos em intervenções policiais, 99,2% das vítimas eram do sexo masculino: 76,5% eram negros, o principal grupo vitimado pela violência, independentemente da ocorrência registrada; mas chegaram a ser 83,1% das vítimas de intervenções policiais. Mesmo entre os latrocínios, que são os roubos seguidos de morte, a vitimização de pessoas negras é maior do que a participação proporcional delas na composição demográfica da população brasileira.

A morte de jovens se mantém no patamar de metade dos casos: 50,3% das vítimas em 2022 tinham entre 12 e 29 anos. Dentre os mortos em intervenções policiais, foram 75% das vítimas. Outra questão alarmante são os estupros e estupros de vulnerável, a maior incidência já registrada: 74.930 vítimas, sendo 88,7% mulheres e 11,3% homens. A taxa cresceu 8,2% e chegou a 36,9 casos a cada 100 mil habitantes. Exclusivamente os casos estupro somaram 18.110 vítimas em 2022, um crescimento de 7% em relação ao ano anterior. Já os casos de estupro de vulnerável, com um total de 56.820 vítimas, teve incremento de 8,6%. Cerca de 24,2% das vítimas de estupros, em 2022, foram homens e mulheres com mais de 14 anos, e que 75,8% eram incapazes de consentir, fosse pela idade (menores de 14 anos), ou por qualquer outro motivo (deficiência ou enfermidade).

O estupro de crianças e adolescentes, a maioria dentro de casa, é gritante: 10,4% das vítimas de estupro eram bebês e crianças, com idade entre 0 e 4 anos; 17,7% das vítimas tinham entre 5 e 9 anos e 33,2% entre 10 e 13 anos (a faixa etária mais afetada pelo crime). Segundo os dados, 61,4% das vítimas tinham no máximo 13 anos. Na maioria dos casos, os abusadores eram conhecidos das vítimas (82,7%), e apenas 17,3% estranhos. Entre as crianças e os adolescentes na faixa de menos de 1 ano e 13 anos de idade vítimas de estupro, os principais autores são familiares (64,4% dos casos) e 21,6% são conhecidos da vítima, mas sem relação de parentesco.

O país gastou R$ 124 bilhões com segurança pública no ano passado e houve um aumento de 12% dos investimento dos estados e municípios. Entretanto, é necessário um estudo sobre a qualidade desses gastos, comparando-os aos indicadores de mortes e estupros. Medidas relativamente simples, de baixo custo e alto impacto, podem ter grande eficácia na redução da violência. Por exemplo, o uso inteligente e integrado de câmeras de vigilância nas cidades e estradas pelos serviços de segurança, o uso de câmeras nos veículos e uniformes de policiais militares, e o "botão do pânico" por pessoas que foram vítimas de agressões domésticas.

 


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