Os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2023, divulgado nesta semana, revelam que os assassinatos com armas de fogo aumentaram 76,5% em relação a 2022. Não à toa, pois há mais de 1,5 milhão de armas em mãos de civis no país. A imensa maioria é de pessoas registradas como caçadores, atiradores e colecionadores (CACs). Hoje, são 783.385 , contra 111.487, em 2018.
As facilidades para aquisição de artefatos bélicos e munições foram uma das marcas dos últimos anos. Embora o número de mortes intencionais tenha caído (2,4%) entre 2021 e 2022, 47.508 pessoas foram vítimas da violência extrema.Indivíduos pretos ou pardos são o alvo preferencial. Eles somaram 76,9% dos 47.508 assassinados intencionalmente. Em seguida, os jovens (52,9%), na faixa de 12 de 29 anos). Entre os mortos, 6.430 foram vítimas das intervenções letais da polícia, o que representou 17 óbitos por dia.
Na tentativa de reverter o belicismo, o governo federal anunciou, ontem, regras mais rigorosas para aquisição de armas e munições. O decreto assinado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva retira do Exército a fiscalização e o controle do comércio de artefatos e repassa à Polícia Federal. Restringiu os calibres disponíveis aos civis. Ou seja, a pistola 9mm, uma das mais desejadas pelos CACs, agora ficou restrita às forças de segurança pública. Além disso, reduziu drasticamente o volume de munições que podem ser compradas pelos CACs. Eliminou ainda a possibilidade de caçadores, colecionadores e atiradores circularem com munição nas armas.
O vai e volta das leis que sustentam o direito de as pessoas terem armas pouco reduz a violência no país. Ao longo dos anos o Estatuto do Desarmamento foi mutilado, por interesses contrários à defesa da vida. As forças de segurança pública, que somam um contingente, hoje, inferior ao de CACs, não conseguem conter a barbárie provocada pelas organizações criminosas que operam o tráfico de armas e de drogas. Os registros obrigatórios são, em boa parte, ignorados pelos proprietários — algo que ficou evidente na última atualização de dados exigida pelas autoridades federais. Na outra ponta, está a Bancada da Bala, formada por deputados suscetíveis aos interesses da indústria bélica, que busca lucrar sempre, ainda que seu produto sirva para antecipar a morte de milhares de pessoas.
Se a violência bélica, intencional ou não, é assustadora para a maioria dos brasileiros, mais absurdas são as agressões sexuais praticadas contra meninas (88,7%) e meninos (11,3%), no último ano, atingindo um total recorde 74.930 vítimas, um aumento de 8,2% em relação a 2021. A maioria — 61,4% — estava na faixa etária de menos de um a 13 anos. Uma covardia inaceitável, que demanda do poder público e da sociedade, de modo geral, um combate acirrado a esse tipo de crime.
Os abusos sexuais são cometidos por conhecidos, familiares, parceiros ou ex-parceiros íntimos. Muitos ficam impunes, apesar de oferecerem risco a qualquer criança ou adolescente. Quem não denuncia esses crimes torna-se cúmplice por deixar meninas e meninos expostos à revitimização ou dar chance de o agressor produzir mais vítimas. A mesma responsabilidade é exigida de quem testemunha maus tratos (22.527 casos, sendo que 60% tinham entre menos um ano e nove anos) ou abandono dos infantojuvenis e dos incapazes. É preciso denunciar sempre.
Por sua vez, impõem-se ao poder público medidas, cada vez mais rigorosas, para conter o belicismo, todas expressões de violência e garantir eficaz proteção às crianças e aos adolescentes. O segmento infantojuvenil não tem segurança dentro de casa, nas ruas e nas escolas. Eis um dos grandes desafios para o atual e os futuros governantes, bem como para a classe política e o Judiciário. A mudança no país não depende só do governante, mas de todos os poderes e, principalmente, dos cidadãos.