A não renovação por parte da Rússia do acordo para exportação de grãos da Ucrânia na segunda-feira acendeu o alerta em todo o mundo para a possibilidade de um novo choque de oferta com impacto direto sobre os preços dos alimentos. O acordo, que vigorou desde julho de 2022 — sendo renovado duas vezes — até o início desta semana, possibilitou o escoamento de 33 milhões de toneladas de grãos da Ucrânia para o mercado internacional, o que teria reduzido os preços médios em 20%. As consequências da medida ainda são incertas. A Ucrânia diz que tem como escoar sua produção agrícola sem utilizar os portos do Mar Negro, mas a capacidade de transporte por trens pelos países do Leste Europeu é limitada. A Rússia diz que assim que forem aceitas suas condições retomará o acordo, mas ao mesmo tempo bombardeia os portos ucranianos do Mar Negro.
Rússia e Ucrânia são grandes fornecedores de produtos agrícolas e os principais players no mercado mundial de trigo, cevada, milho, canola, semente de girassol e óleo de girassol. Os russos destacam-se também como grandes exportadores de fertilizantes. O cenário hoje é diferente do início da guerra, mas haverá aumento de preços dos alimentos e dos insumos agrícolas no curto prazo, o que coloca o Brasil diante do risco de aumento dos preços e de pressão inflacionária, e da oportunidade de suprir a demanda global, principalmente de milho. O país está colhendo a segunda safra, ou a colheita de inverno do grão, e deverá produzir ao todo cerca de 125,5 milhões de toneladas de milho, volume 12,4 milhões de toneladas maior do que a safra passada.
A supersafra de grãos brasileira na safra 2023/2024, que chegará a 313,9 milhões de toneladas, ajuda a derrubar os preços do milho no mercado interno, completando a queda nas cotações internacionais do grão. Mesmo que num primeiro momento exista uma pressão sobre os preços do milho, o excesso de oferta no Brasil permite a contenção dos valores, com o início da colheita da segunda safra. Se a extensão do impacto da decisão da Rússia ainda é incerto porque dependerá da retomada ou não do corredor de exportação pelo Mar Negro, não há dúvida de que o Brasil tem a chance de aproveitar oportunidades no mercado internacional e, ao mesmo tempo, garantir que crises de oferta não afetem os preços no país, assim como não elevem os custos dos insumos para a produção agrícola.
Aqui, é preciso falar dos dois problemas existentes hoje e que precisam ser atacados. Com o início do conflito no Leste Europeu, o Brasil se viu sob risco de desabastecimento de fertilizantes para as lavouras, o que não se configurou, permitindo que o país colhesse uma supersafra. A simples possibilidade de desabastecimento levou o governo a retomar o Plano Nacional de Fertilizantes, com o objetivo de reduzir em 50% a dependência do agronegócio brasileiro de insumos externos, até 2050. Hoje, 85% dos fertilizantes consumidos no Brasil são importados. A estratégia é acertada e deve se pautar pela sustentabilidade e pela perspectiva de inserção dessa nova produção nacional de insumos para nutrição vegetal nas cadeias globais de suprimento.
Outro ponto que o país precisa atacar é sua infraestrutura para armazenamento de cereais, que tem de ser ampliada e modernizada para permitir um melhor manuseio das safras, tanto para controle de preços internos quanto para preservação da renda dos produtores brasileiros, que, com armazenagem, têm como optar pelo melhor momento de comercialização. Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), a capacidade de armazenagem do Brasil é da ordem de 191 milhões de toneladas, o que representa uma diferença de 90,6 milhões de toneladas em relação apenas às safras de soja e milho. Sem condições de estocar, os produtores de milho terão de colocar a produção quase que diretamente no mercado, derrubando os preços. É preciso que o governo transforme crises em oportunidades e atue de forma estratégica para permitir a consolidação do país como um importante produtor global de alimentos.
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