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Artigo: Eu falei tokenismo, falei sobre racismo

No Brasil, temos a síndrome do "negro único", já ouviram falar? Se trata de pessoas pretas que acreditam — ou são levadas a manifestar a crença — que é um grande avanço ser a única ocupando espaços predominantemente brancos.

Não é de hoje que eu critico algumas posturas duvidosas em relação a ações afirmativas, principalmente quando elas são direcionadas para a causa antirracista no Brasil. Além de perceber um grande despreparo na criação de diversas dessas "campanhas", é notável a ausência de um estudo mais aprofundado sobre o assunto. Outro fator que contribui para que essas ações não alcancem um bom resultado é a contratação de equipes majoritariamente brancas para tratar sobre diversidade.

É evidente que existe uma grande falta de aprofundamento para cuidar de assunto tão sério. É a partir disso que eu venho falar sobre tokenismo e o quanto tal prática é capaz de sabotar a comunidade negra de uma maneira silenciosa e traiçoeira. Dentro da pauta racial, sua definição diz que é prática de fazer apenas um esforço superficial ou simbólico para ser inclusivo para membros de minorias.

O uso da palavra ganha força na esfera popular em 1950, diante da segregação racial nos Estados Unidos da América. Na época muitos negros, incluindo Martin Luther King, entendiam que aquilo não resolvia o real problema, apenas "disfarçava”.

Aqui, no Brasil, temos a síndrome do "negro único", já ouviram falar? Se trata de pessoas pretas que acreditam — ou são levadas a manifestar a crença — que é um grande avanço ser a única ocupando espaços predominantemente brancos. O que, na minha modesta opinião, não passa de um grande tiro no pé. Claro que temos inúmeras razões históricas que cooperaram para o comportamento desses grupos, mas o que esperar de um povo que teve sua história apagada ou negligenciada? Reflitam.

O tokenismo está presente na política, locais de trabalho, TV, concursos de beleza e por aí vai. Agora que estabelecemos e exemplificamos o termo, fica bem mais fácil detectar quando uma pessoa estiver ocupando esse papel de token.

Eu sempre faço questão de ressaltar que, quando acontece esse fenômeno, a população preta começa a ser vista de uma maneira distorcida, uma vez que aquela pessoa negra que ocupa essa posição, acaba representando toda uma raça e com isso, nossas individualidades acabam sendo inexploradas e invisibilizadas, o que gera um grande problema. Quem já leu ou escutou a frase "representatividade importa"?

Esse slogan ganhou muita força dentro do debate racial, isso porque algumas pessoas começaram a inserir uma falsa ideia do que é representatividade. Ou seja, começaram a incluir pessoas negras em variados espaços, alguns jamais ocupados por pessoas desse grupo. Inclusive, a meu ver, isso não passa de uma busca incessante para mostrar ou provar que esses grupos ou pessoas não são racistas.

Temos grandes nomes de empresas famosas que foram acusadas de racismo e, logo após, começaram a criar programas de inclusão a todo custo. E só não percebe quem não quer. Existe uma deturpação muito grave do real sentido da palavra representatividade. Costumo dizer que quando ganhamos apenas visibilidade se trata de representação e quanto ganhamos poder, relevância social e política eu já vejo como representatividade, simples assim.

Claro que eu acho lindo ligar a minha televisão, ou meu celular, e ver pessoas como eu em diversos locais e espaços. Mas, será que isso é o bastante? Eu me aventuro em dizer que não, mas sei que muitos acham o contrário e “está tudo bem”, pois acontece que — para muitos — "Pretos no topo" é estar ali, naquele lugar alto, vazio e solitário.

O racismo nos desumanizou e, muitas das vezes, o existir se dá a partir da validação de espaços e pessoas brancas, o pensador Fanon fala muito sobre por isso. Logo, podemos concluir que o tokenismo além de ajudar na manutenção do racismo, se faz presente em nosso cotidiano, muitos dos meus irmãos e irmãs querem se sentir vivos, amados, valorizados.

Quando isso ocorre é que pode cair uma enorme ficha do quanto ainda somos moldados dentro de um padrão eurocêntrico, com um significativo número de reféns dessa legitimação, para se sentirem menos coisificados. Agora que chegamos até aqui, espero que tenha sido de grande valia essa leitura e deixarei meu questionamento: Você quer existir ou apenas servir de enfeite? Você nasceu para existir ou enfeitar?

MARCELE OLIVER, educadora social, produtora cultural, empreendedora

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