Os dados do relatório Estado da Segurança Alimentar e Nutrição no Mundo, divulgados pela Organização das Nações Unidas (ONU), expõem de forma clara que a fome e a desigualdade social são, hoje, uma das maiores mazelas da humanidade. No Brasil, o estudo mostra que 10,1 milhões de cidadãos vivem sem ter o que comer, o que inclui adultos e crianças e, por si só, deveria ser motivo de indignação e mobilização nacional para resgate dessas pessoas à condição de dignidade humana.
Não há flagelo maior do que a fome, que condena as pessoas a se perpetuarem na condição de desempregados e desnutridos. E o que dizer das crianças, cuja falta de alimentos as condena à baixa estatura, dificuldades escolares e problemas de cognição. Juntando os que vivem em insegurança alimentar severa, são 21,1 milhões. Esse universo de cidadãos excluídos da sociedade aumenta muito ao se considerar os brasileiros que vivem sob algum tipo de insegurança alimentar, são 70,3 milhões de brasileiros que convivem com a fome.
Não há como se falar em aumentar a produtividade do Brasil esquecendo desse enorme contingente de cidadãos brasileiros que, por conviverem com a fome, têm menos condições de atender a exigências do mercado de trabalho. E não apenas isso, é todo um contingente que está alijado parcial ou integralmente dos serviços públicos de água e esgoto, de saúde, educação e do mercado de consumo. Os dados da ONU mostram um retrato do passado recente, afetado pela disparada dos preços, a pandemia de covid-19 e a uma lacuna no pagamento de benefícios sociais aos menos favorecidos.
Ainda estão vivas na memória as imagens de pessoas buscando o que comer em caminhões de ossos de açougues e supermercados ou revirando restos de alimentos descartados por redes varejistas ou atacadistas. Desde o ano passado, com a elevação do benefício do Bolsa-Família para R$ 600, e a redução do preço dos alimentos, essas cenas não ocupam mais o noticiário. O que não quer dizer que não há problema no país, que voltou ao Mapa da Fome, do qual havia saído em 2014. O quadro reportado pela ONU mostra a importância de medidas como o fortalecimento do Bolsa-Família, com pagamento mínimo de R$ 600, sendo R$ 142 por integrante de cada família, R$ 150 por criança entre 0 a 7 anos incompletos, R$ 50 adicionais por dependentes entre 7 e 18 anos incompletos e gestantes.
Hoje, mais de 21 milhões de famílias recebem o benefício social, com um universo aproximado de 84 milhões de pessoas atendidas. Nas contas do Ministério do Desenvolvimento Social, em seis meses o Bolsa-Família elevou a renda de 18,5 milhões de famílias, sendo 43,5 milhões de cidadãos. O programa ganhou caráter permanente e se tornou política de Estado. Isso, associado a outras políticas como a valorização do salário mínimo, com aumento real e retomada de programas de compra de alimentos e das escolas em tempo integral, pode contribuir para amenizar a situação de fragilidade de um terço da população brasileira.
É preciso dar continuidade a programas que permitam dar respostas aos que têm fome, mas não apenas considerando o pagamento do benefício e, sim, atribuindo a ele exigências que vão favorecer a mobilidade social, como a de que as crianças menores estejam matriculadas e frequentando escolas e que as gestantes façam pré-natal. Que se busque garantir comida e condições para que essas famílias deixem a condição de insegurança alimentar para serem integradas na força de produção do país, o que só ocorrerá com a retomada dos investimentos e do crescimento econômico de forma firme. É preciso combater a fome, porque ela é urgente, mas o Brasil precisa caminhar no sentido de diminuir a desigualdade social, que cria um abismo gigante entre a população rica e a menos favorecida economicamente.