Por FERNANDO BARROS - Diretor de Comunicação Estratégica do Instituto Fórum do Futuro
Por que pessoas esclarecidas constroem suas crenças baseadas em premissas frágeis, em evidências inexistentes? Por que tomam decisões ruins ou agem de forma irracional? Para o professor Keith Stanovich, psicólogo da Universidade de Toronto, o ser humano é vítima inconsciente de vieses que afligem sua percepção. Eis a distopia, a maior agonia da nossa era.
É quando líderes esclarecidos, de nações potentes, de povos com educação refinada enfrentam questões de solução simples pela ótica dos sentimentos, de comportamentos culturais e religiosos. Nesse momento de escolhas decisivas, o grande legado deixado por um dos pais do Brasil moderno, Alysson Paolinelli (ele e JK reinventaram nossas fronteiras) pode ser o motor da reconciliação com o óbvio, que resgata o ambiente onde Estado, ciência e a iniciativa privada cooperavam, usando inteligência estratégica para construir a visão de futuro. E lá se vão mais de 50 anos.
Aí entra o papel do agro sustentável, tecnológico e inclusivo que sabemos fazer no mais alto nível como o trade-off que conecta interesses vitais do mundo tropical e do norte desenvolvido. Um pacto de evidências, onde os excluídos de hoje (só no Brasil, 4,5 milhões de produtores sem acesso a tecnologias sustentáveis) serão a vacina contra megacrises: a fome, a desigualdade, a urgência climática.
Aproximar o Brasil das competências que já desenvolveu requer mudar o foco do olhar. Amazônia tem solução. Pela bioeconomia, percebida como matriz global de produtos naturais como fonte de emprego e renda dignos e sustentáveis para seus 29 milhões de habitantes, preservadas a biodiversidade e a floresta úmida. Mas a tecnologia transformadora não chega a quem precisa.
Perdemos a chance de gravar no imaginário nacional o orgulho de criar o primeiro biocombustível, o etanol. O mesmo que hoje pode ser transformado em hidrogênio verde e mudar as nossas vidas. Mas, o money talk embaça a percepção das notícias boas. É hora de fazer sentido.
Ler 1870 como o ano em que o agro entrou para sempre na vida do Brasil, quando o PIB nacional ultrapassa o de Portugal por força da agricultura? Ou debater exclusivamente o pagamento da dívida contraída pela escravidão? A essência do conceito de sustentabilidade criado pela ONU em 1987 é pedagógica: se for só negócio, interessa apenas a um grupo de privilegiados; se for só social, é lindo, mas inviável; se preservar a natureza, desconsidera a espécie humana, não faz sentido; se isolar a busca do conhecimento da realidade, não cumpre a função social da ciência, que é transformar a sociedade.
Tudo junto e misturado, é harmônico, transversal, holístico e reclama uma agenda crítica: urge melhorar o ambiente de negócios do agro brasileiro; protagonizar as soluções sustentáveis da ciência produzida nos trópicos junto aos players globais; mitigar os riscos e ameaças reputacionais da imagem projetada pelo setor. E consultar os donos do futuro — os jovens. Sem eles nada acontece; com eles, colaborar é melhor do que competir. O novo sempre vem.
Subestimar a cultura é perigoso. Os chatboxs se preparam para implodir a realidade - ou, até mesmo, para demitir a ciência no modelo que conhecemos. Isso explica por que a guerra cultural não tem vencedores. Só vencidos. No país de Sérgio Porto, distopia vira o samba do crioulo doido.
A felicidade do ser humano é o ponto de encontro entre esses mundos. O agro é meio. Produzir com impacto mínimo sobre a natureza, obrigação. Na tradução de Evaldo Vilela, o caminho é a democratização do conhecimento. Na de Roberto Rodrigues, "agro é paz". Na do Fórum do Futuro, a missão de manter acesa a chama do legado de Alysson Paolinelli: conciliar o mundo tropical com a agenda civilizatória do planeta. Uma utopia possível.